Título: "Superávit de 4,25% do PIB é a cláusula pétrea"
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Economia & Negócios, p. B9

Paulo Bernardo, ministro do Planejamento

Entrevista

Cumprir a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) é "cláusula pétrea" para o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Superávit primário é a economia feita pelo setor público para impedir o crescimento da dívida, calculado pela diferença entre receitas e despesas, exceto juros.

O ministro acha "bobagem" a preocupação com o desempenho das contas do governo. Embora economistas apontem para a necessidade de um novo programa de ajuste fiscal no ano que vem, para conter principalmente a escalada das despesas com a Previdência, esse não é um tema que conste da agenda do governo. "Não estamos discutindo isso", afirmou. Bernardo admitiu que uma reforma da Previdência será necessária, mas não sabe se ela será implementada.

Bernardo enviou este mês ao Congresso proposta para a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2007, na qual consta a obrigação de reduzir a despesa corrente em 0,1 ponto do PIB. O ministro acredita que o corte gradual nas despesas, combinado com a manutenção do superávit primário em 4,25% do PIB permitirão ao próximo presidente reduzir a zero o déficit nominal (diferença entre toda a arrecadação e toda a despesa, inclusive com juros - o resultado primário não considera os juros). Atualmente, o déficit nominal está em 3,87% do PIB. Eis os principais trechos da entrevista:

Os dados dos últimos dias mostram que o gasto do governo cresce em ritmo mais elevado que o das despesas. Vai dar para cumprir a meta de 4,25% do PIB?

A meta de 4,25% é cláusula pétrea. Não tem a menor possibilidade de não dar. O governo Lula fez um sacrifício, um arrocho em 2003. Praticou a austeridade nos últimos dois anos. E vai chegar agora, na reta final, e esculhambar as contas públicas? Claro que não! Este ano tem um ritmo diferente. Vocês são testemunhas que no ano passado fizemos uma radiografia disso (as despesas), mostramos como o governo nos últimos dez anos tem gastado com muito mais peso no fim do ano. Chega em dezembro, explode o volume de gastos. Isso não é razoável.

O governo mudou a lógica por causa das eleições. Vai acelerar agora porque tem restrições legais para gastar no segundo semestre?

Não tem como negar que fizemos um planejamento levando em conta as eleições. Tem pelo menos duas legislações restritivas ao gasto no segundo semestre. Uma é a lei eleitoral e outra é a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que for feito nos últimos oito meses de governo não pode ficar como resto a pagar, a não ser que tenha dinheiro em caixa. Sem contar que tínhamos uma série de projetos que deslancharam no ano passado, particularmente no segundo semestre, que nós não queríamos deixar descontinuar. Mantivemos o ritmo em vários ministérios. Fizemos um planejamento que prevê ritmo menor no segundo semestre.

O senhor está se referindo a investimentos?

Essa lógica não vale para os gastos de custeio, vale? Vou dar um exemplo: o Bolsa Família (é custeio). Aceleramos para atingir a meta de famílias atendidas no primeiro semestre. No segundo semestre, não tem mais crescimento dessas despesas. Estamos acrescentando famílias no programa agora. A meta é chegar a 11 milhões de famílias atendidas em junho. Até porque não vamos, no meio do período eleitoral, distribuir cartãozinho do Bolsa Família, porque aí o pessoal vai pegar no nosso pé.

Os dados do Tesouro mostram que aumentou muito a despesa de pessoal e Previdência. São itens que dificilmente se corta depois. E se houver uma crise?

Que crise? Já teve tantas, estão achando que vai ter mais? Não! Acho que as despesas do Bolsa Família, o aumento do salário mínimo e alguns outros programas sociais têm poder multiplicador imenso na economia, no sentido de agregar setores inteiros da sociedade no consumo. Os assalariados tiveram aumento real de renda de 12,5% em 2004, 2005 e 2006. Se isso for somado com os empregos gerados nesse período e também com a oferta maior de crédito para as classes populares, principalmente o crédito consignado, temos hoje um diferencial importante na economia, no consumo, no comércio, na indústria, nos alimentos. Tudo isso está trazendo aumento da receita. As pessoas notam que a arrecadação do governo aumenta. Mas não fizemos nenhuma lei aumentando imposto.

Isso não deixa de ser carga tributária...

Mas é carga tributária boa. Se tiver aumento da arrecadação porque a economia cresceu, não tem problema. É bom. A receita da Previdência teve aumento positivo de 2004 para 2005, aumentou algo como 3% do PIB. Isso permite que, apesar do aumento com o reajuste do salário mínimo, o déficit previsto continue o mesmo de um ano atrás.

Isso dá certo enquanto a economia crescer. E se ela desacelerar?

Mas a economia está só começando a crescer. O desempenho do ano passado foi modesto, de 2,3%. Este ano, vamos crescer de 4% a 4,5%. E acho que vamos manter o crescimento, porque estamos diminuindo taxas de juros, a relação dívida/PIB vai cair para perto de 50% do PIB (ante 61% em setembro de 2002), estamos com aumento do investimento externo, o patamar de investimento da economia vai fechar este ano acima de 20%. Quer dizer, temos condição de crescer mais no ano que vem. É claro que temos de ter uma gestão prudente. Estamos enfrentando crise, o petróleo está estourando. Mas eliminamos as vulnerabilidades externas do Brasil.

Para 2007 será necessária uma nova reforma da Previdência?

Se considerarmos as condições do País, de demografia e a evolução da expectativa de vida, precisaremos de uma reforma da Previdência. Se vai ser no ano que vem ou daqui a quatro anos, não sei. Estamos fazendo um trabalho prévio porque sabemos que há críticas sempre que se fala em reforma da Previdência, de que seria necessário antes eliminar os ralos, as fraudes. Então, estamos tratando de fazer uma reforma da gestão. Quando vai precisar haver uma nova reforma, não temos claro. Não temos isso ainda, Não estamos discutindo isso.

Se crescem despesas fixas como Bolsa Família, Previdência, pessoal, o que se coloca no horizonte é a impossibilidade de se cortar a carga tributária. Isso não é ruim?

Há 11 anos que a despesa corrente, excetuando Previdência, não cresce em relação ao PIB. A despesa de pessoal também está estabilizada em relação ao PIB. Acho que temos de criar condições para crescer a economia, para a receita crescer de maneira positiva que não seja aumentando alíquotas e conter as despesas para que elas sejam menores em relação ao PIB. Temos de lembrar que a despesa de juros tem um peso colossal. À medida em que temos queda nos juros, vamos diminuir essa despesa. Passada a eleição, há condições de baixar os juros mais rápido. O cenário da LDO prevê déficit nominal de 1,4% do Produto Interno Bruto em 2009.

Vai chegar no déficit zero defendido pelo deputado Delfim Netto?

Vai zerar. A previsão é zerar em 2010. No próximo mandato presidencial, haverá déficit zero. Para isso, vamos manter o superávit de 4,25%. Fazer o esforço de diminuir a taxa de juros. Acho que o horizonte é um cenário muito positivo.