Título: EUA negociam com o Uruguai e aprofundam crise do Mercosul
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Nacional, p. B3

Há preocupação em não contrariar o Brasil, pois Alca ainda está nos planos

Não está claro se o encontro que o presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, terá na quinta-feira com o presidente George W. Bush, na Casa Branca, selará o lançamento das negociações para um acordo de liberalização comercial entre os dois países. Mas a reunião causará ansiedade no Itamaraty no momento em que a política externa brasileira na região é alvo de críticas de alguns dos mais respeitados embaixadores da Casa de Rio Branco.

Segundo fontes oficiais, sempre que perguntados pelo governo brasileiro sobre o assunto, os uruguaios negam que tenham tomado a decisão de ir adiante com o projeto bilateral com os EUA, o que implicaria sua saída do Mercosul. A outros interlocutores em Washington, dizem exatamente o oposto. E reforçam a idéia de que estão interessados num tratado à parte com os americanos com atos concretos.

No início do mês, uruguaios e americanos realizaram em Washington a quinta reunião da Comissão Conjunta sobre Comércio e Investimento. A comissão foi criada em novembro de 2003, não por acaso no mesmo dia em que o Brasil e os EUA concordaram, por razões diferentes, em reduzir a ambição e fatiar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Para não passar recibo sobre o estado falimentar do bloco comercial que lidera no Cone Sul, o governo brasileiro não pergunta à administração Bush sobre seu interesse em fazer um acordo com o Uruguai. Mas está ciente de que a intenção existe e levará a um acordo, mais dia menos dia, até porque é parte da estratégia de liberalização competitiva de Washington diante da relutância do governo Lula em engajar-se nas negociações da Alca. Se Washington não se manifesta a respeito de forma mais clara, é por cálculo político.

"Creio que existe uma preocupação na administração de não antagonizar o Brasil, pois, ao contrário do que se pensa, a Alca continua na agenda de Washington e é importante preservar as possibilidades de um acordo regional com os brasileiros, seja depois da conclusão da Rodada Doha, seja se Doha fracassar, numa negociação em separado com o Mercosul", disse ao Estado Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano. "Se fosse para contrariar só a Argentina, não tenho dúvida de que a administração Bush ficaria encantada em ir adiante com o acordo com o Uruguai."

Também complicado para Washington é a situação que o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, criou para a Colômbia ao retirar-se da Comunidade Andina e condicionar seu retorno à não realização dos acordos que Bogotá e Lima fizeram com Washington. Embora os EUA sejam o maior mercado da Colômbia, suas exportações para a Venezuela não são desprezíveis e o comércio entre os dois países soma, em ambos os sentidos, mais de US$ 2,5 bilhões.

Numa aparente tentativa de motivar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a convencer seu amigo Chávez a reconsiderar sua posição, o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, esteve esta semana em Brasília e alertou Lula de que o conflito entre a Venezuela e os EUA, que já se arrasta por quatro anos, começa a ameaçar os investimentos e o comércio em toda a região.

Segundo fontes bem informadas, o governo americano é ambivalente sobre a decisão da Venezuela. Por um lado, a vê como a evolução natural de uma estratégia de danos auto-infligidos por Chávez, que deixa a Venezuela com menos amigos e mais isolada na região. Por outro, compreende o impacto comercial negativo da decisão venezuelana para a Colômbia.

À boca pequena, funcionários de Washington dizem, no entanto, que não compreendem a disposição de Lula de associar-se a projetos como o do gasoduto amazônico, anunciado com Chávez e com o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, os dois líderes da região menos respeitados em Washington ou Wall Street. "Como Lula tem uma imagem positiva, de seriedade, o fato de ele anunciar algo que sabe que não sairá do papel, com dois parceiros que não gozam do respeito do governo ou dos investidores americanos, deixa as pessoas perplexas", disse Hakim.