Título: Petróleo - a história roubada
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Setenta anos separam a obsessão de Monteiro Lobato em descobrir petróleo no Brasil e o marco histórico da auto-suficiência na produção, comemorado pelo governo Lula em ato festivo, em 21 de abril, e em campanha publicitária na televisão. Ao longo desses 70 anos, três momentos foram particularmente decisivos para o País finalmente decretar o fim da dependência externa: 1) Em 1932, Monteiro Lobato criou a Companhia Petróleos do Brasil, que fracassou em todas as tentativas de encontrar óleo, mas teve o inegável mérito de lançar e difundir pelo País afora a idéia de que o extermínio da miséria e da pobreza dependia fundamentalmente do domínio na produção de combustíveis; 2) em 1954, o ex-presidente Getúlio Vargas sancionou a Lei 2.004, que criou a Petrobrás; 3) em 1974 foi descoberto o primeiro campo de óleo na Bacia de Campos, iniciando uma série de descobertas de reservas gigantes nessa bacia, essenciais para a conquista da auto-suficiência e que garantem, hoje, 85% da produção do País. Pois os três momentos mais representativos da história do petróleo no Brasil foram ignorados pelo presidente Lula e pelo presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, na festa comemorativa realizada no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Os dois escolheram o discurso político-eleitoreiro-ufanista de glórias à gestão Lula, amesquinhando o acontecimento histórico, tornando-o chulo, pequeno e medíocre. A começar pela mesa de autoridades, para a qual Lula convidou o inexpressivo senador Bispo Marcelo Crivella (PRB-RJ), candidato a governador do Rio de Janeiro, pelo único motivo de agradar e atrair um aliado para sua própria candidatura à Presidência. A apropriação política da auto-suficiência a serviço do PT e da candidatura Lula, ignorando a longa história de sua construção, foi muito além do Bispo Crivella. A lista de convidados, preparada pelo Palácio do Planalto para servir ao objetivo eleitoreiro do presidente, privilegiou sindicalistas e executivos de empresas que negociam com a Petrobrás, estes prontos para agradar a quem a dirige no momento, seja lá quem for. Ao final de seu apoteótico discurso de auto-elogios, em que fugiu do assunto alvo para falar de Fundef e outros feitos, Lula foi aplaudido por uma claque de 60 a 70 pessoas, aos gritos de "um, dois, três, Lula outra vez". Levar claque para satisfazer o próprio ego e fingir apoio popular já virou marca nas aparições públicas de Lula, mas neste caso ele extrapolou, tornou pequeno e insignificante um acontecimento sério e caro para os brasileiros, que merecia ser tratado sem partidarismo, com grandeza e dimensão histórica. Os funcionários da Petrobrás foram a grande ausência notada na festa. Presentes só diretores e alguns poucos escalados para trabalhar no evento. Até 2003 eram eleitores do PT, mas há hoje um enorme descontentamento dos funcionários com o uso político da empresa, amplificado agora com a campanha da auto-suficiência. Os anúncios na TV mencionam apenas os três últimos anos de gestão, como se tudo fosse obra de Lula e de mais ninguém. Ignoram que o ex-presidente Geisel foi fundamental porque acreditou e bancou o investimento na Bacia de Campos, que nos últimos quatro anos de FHC a produção cresceu 496 mil barris/dia e na gestão Lula, só 252 mil barris/dia. "Para quem trabalha aqui há 10, 20, 30 anos, é chocante assistir a essa usurpação política da história, o desaparecimento do esforço das pessoas que há anos trabalham duro pela auto-suficiência", desabafa um deles. Na véspera da festa, sem avisar a imprensa para não desviar o foco dos três anos de Lula, a diretoria realizou um almoço com os ex-presidentes vivos da Petrobrás. Nem todos. O último da gestão FHC, Francisco Gros, não foi convidado. "Não recebi convite escrito, telefônico ou eletrônico. Não soube deste almoço", conta Gros. No discurso que fez na festa, o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, desprezou a postura apartidária que lhe cabe como dirigente de uma empresa com 500 mil acionistas e eleitores de todos os partidos políticos para alfinetar o governo anterior. "Queriam fatiar a Petrobrás para depois privatizá-la", criticou. Francisco Gros desmente. "Nunca recebi nenhuma orientação para fatiar e vender a Petrobrás. Ao contrário, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou carta ao Congresso afirmando claramente não ser nenhuma intenção de seu governo vender a Petrobrás."