Título: Crises com os vizinhos põem em xeque liderança regional do Brasil
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Economia & Negócios, p. B1

Conflitos entre países da América Latina e dificuldades com parceiros ameaçam política externa do governo Lula

Três anos depois de ter jogado suas fichas na integração da América do Sul, o governo brasileiro se vê diante de uma situação delicada, com a sua política externa posta em xeque por causa de vários problemas com países vizinhos. As dificuldades com parceiros eleitos prioritários pelo Brasil, como Bolívia e Venezuela, começam a provocar desconforto no governo, apesar do discurso oficial otimista. Mas a ordem, por enquanto, é continuar a "engolir sapos" em nome da idéia da Comunidade Sul-Americana de Nações, a Casa, um dos projetos mais acalentados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A política externa já havia sofrido dois fortes abalos quando o governo não conseguiu levar adiante o sonho de conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e perdeu a disputa pela nomeação do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Agora, a preocupação aumentou, diante de novos riscos à unidade do Mercosul e dos problemas criados pelo presidente da Bolívia, Evo Morales - que quer expulsar do país a empresa EBX e ameaça os interesses da Petrobrás com a decisão de nacionalizar as jazidas de petróleo e gás.

O problema é delicado para Lula, que se engajou pessoalmente na eleição do líder cocaleiro. Para evitar uma ruptura diplomática, Lula já anunciou que vai falar com Evo. Internamente, no entanto, já foi acesa a luz amarela em relação às atitudes do vizinho.

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, não acredita que os problemas na região atrapalhem o projeto da Casa. "O que está havendo são problemas entre alguns vizinhos que serão, aos poucos, resolvidos", disse ele, acentuando que o Brasil pretende dar tratamento específico a cada um dos problemas.

Garcia destacou que nas conversas de Lula com os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Argentina, Néstor Kirchner, na semana passada, avançou-se muito no projeto do supergasoduto que pretende ligar as jazidas venezuelanas aos países do Cone Sul. Segundo ele, as conversas com a Venezuela estão avançadas e Lula vai tratar do assunto com o boliviano Evo Morales para, a seguir, partilhar o projeto com os demais líderes da região.

Tentando reduzir a importância dos problemas com os vizinhos, Marco Aurélio assegura que nenhum deles "está tirando o sono". Questionado se o governo estava disposto a "engolir sapos" em nome da unidade sul-americana, foi taxativo: "Não estamos engolindo sapo nenhum."

Ele atribui as críticas à política externa brasileira a disputas internas. "Tem gente aqui dentro querendo tirar casquinha nas conquistas obtidas." Marco Aurélio diz que o Brasil não tem problema com a Venezuela e as disputas de Chávez com os EUA "são problema dele": "Hugo Chávez não nos cria nenhum tipo de embaraço."

No entanto, as coisas não parecem ser tão tranqüilas. A construção do supergasoduto é considerada por muitos um projeto inviável. E a desenvoltura de Hugo Chávez, transitando por toda a região, e até a freqüência com que vem ao País incomoda setores do governo.

Da mesma forma, há críticas às concessões do governo brasileiro, no caso da Petrobrás, em relação à Bolívia. Nenhum diplomata se atreve a divergir publicamente da política externa do governo. Mas ela vem sendo atacada por embaixadores que já deixaram o serviço ativo. Uma das principais críticas é a de que não se pode misturar política com diplomacia. E de que a tentativa de unir os países com governos considerados de esquerda na região, fazendo concessões que trazem prejuízos econômicos ao País, não dará bom resultado.