Título: A perseverança no erro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Um dos mais desastrosos projetos do governo, o da reforma universitária, acaba de ser retirado da gaveta, onde se encontrava há seis meses. Conhecedor da realidade do ensino superior, uma vez que é professor na Universidade de São Paulo, o ministro Fernando Haddad teve o bom senso de "esquecê-lo", quando assumiu a pasta, em 2005, passando a concentrar esforços naquilo que deveria ter sido a prioridade do Ministério da Educação (MEC) desde o primeiro dia de mandato do presidente Lula: o ensino básico.

Quem desengavetou o projeto foi seu autor, o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro. De volta ao governo, nove meses após ter deixado o MEC para assumir a presidência do PT, ele fez questão de retomar um modelo de Universidade que politiza a gestão acadêmica, sob a justificativa de torná-la mais "democrática", substitui a meritocracia pelas políticas de "ação afirmativa", sob a alegação de promover justiça social, e hostiliza as instituições privadas, a pretexto de evitar "a mercantilização do ensino superior".

Embora o projeto tenha sido duramente criticado por quase todas as partes interessadas, quando foi apresentado, Genro não teve a humildade de aceitar as críticas e de mandá-lo sumariamente para a lata do lixo. Em vez disso, ele preparou duas outras versões, que acabaram saindo muito piores do que a primeira, seja por sua insistência na tese da "republicanização da Universidade como um espaço público e plural de produção do conhecimento e saberes e de diálogo e interação com a sociedade civil", seja pelas generosas concessões corporativas, políticas e ideológicas que fez aos movimentos sociais e às entidades estudantis.

Uma dessas concessões, que contraria os esforços da equipe econômica do governo para acabar com as vinculações orçamentárias, obriga as universidades federais a gastar 9% de seu orçamento em assistência estudantil. Com isso, além de já estudarem de graça, os alunos ainda receberão bolsas, moradia e alimentação. Outra concessão é a imposição de cotas. Segundo o projeto, as novas universidades públicas e os novos campi devem reservar 50% das vagas para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas, com subcotas para negros e índios, proporcionais ao porcentual dessas populações em cada Estado.

No caso das universidades particulares, o projeto abre caminho para interferências políticas em sua gestão e exige que elas divulguem 60 dias antes do fim do semestre o valor do reajuste das mensalidades para o semestre seguinte. Além disso, levado por um nacionalismo dos tempos de antanho, ele estabelece limites para os investidores estrangeiros no setor educacional. Enquanto países emergentes como o Chile e a Coréia do Sul procuram atrair capitais externos para a educação e diversificam o ensino superior, criando instituições para a formação de elites acadêmicas e outras para a formação de quadros técnicos para os diferentes setores econômicos, o governo petista caminha na contramão da história, tentando aprisionar as universidades privadas brasileiras na camisa-de-força de um modelo único.

Tão ou mais grave do que as concessões políticas no âmbito das universidades públicas e a aversão ideológica às universidades particulares são os custos do projeto para o Tesouro. Apesar da forte oposição da equipe econômica do governo, cujos integrantes alegam que o problema do ensino superior não está na insuficiência de recursos, mas na maneira perdulária e inepta como são geridos, o ministro Tarso Genro obteve do presidente Lula a autorização para incluir, no projeto, um dispositivo que reserva 75% do orçamento do MEC para as universidades federais. Trata-se de um enorme contra-senso, pois é mais dinheiro público para instituições administrativamente ineficientes.

Com a idéia de desengavetar um projeto de reforma universitária tão mal recebido pela comunidade acadêmica, o presidente Lula só confirma as críticas que recebeu desde o início de seu governo, ou seja, de que jamais soube o que fazer na área da educação, desperdiçando recursos com iniciativas mirabolantes no ensino superior, quando a prioridade deveria ser o ensino básico, cujos padrões africanos de qualidade comprometem a ascensão social das novas gerações e o desenvolvimento econômico do País.