Título: Europa dá sinal de flexibilização
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Pela primeira vez em meses, União Européia indica que poderá fazer concessões nas negociações agrícolas

Pela primeira vez depois de meses de incertezas, a União Européia (UE) afirma ao Brasil que poderá flexibilizar sua posição nas negociações agrícolas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ontem, o chanceler Celso Amorim manteve uma conversa de quase uma hora ao telefone com o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson.

Amorim, que está em Genebra, disse ter ficado satisfeito com as indicações dadas pelos europeus sobre um possível acordo até julho.

Mandelson deixou claro ao governo brasileiro que sua oferta de abertura do setor agrícola não é final, e que ainda haveria espaço para algumas flexibilidades, tanto no que se refere aos cortes de tarifas de importação como na ampliação de cotas para produtos sensíveis, como carnes e açúcar. "Estamos nos aproximando, ainda que o hiato entre as posições exista", afirmou Amorim.

Em várias ocasiões, Mandelson insistiu em que a Europa não teria mais nada a oferecer em termos de abertura de seu mercado. Já o Brasil e os Estados Unidos alegavam que a oferta européia não significaria um aumento real de exportações agrícolas.

A Organização Mundial do Comércio deveria ter concluído um entendimento sobre como ocorreriam os cortes de tarifas e de subsídios até dezembro. Mas a falta de entendimento entre os países impossibilitou um acordo. Um novo prazo de 30 de abril foi estipulado, mas outra vez foi perdido pela OMC. Agora, todas as fichas estão concentradas num acordo até meados do ano.

Questionado se a aproximação entre Brasil e Europa significava que um acordo poderia ser concluído em julho, Amorim alertou que outros países também precisarão ser consultados. "Não foi uma reunião definitiva. É um pouco cedo ainda para dizer isso, já que outros países também terão de fazer concessões. Não é só a Europa que precisa flexibilizar suas posições", afirmou, alertando que não quer "ser ingênuo" sobre a possibilidade de um acordo.

Mesmo assim, o discurso do chanceler é radicalmente oposto às suas últimas declarações sobre a falta de comprometimento dos europeus em oferecer novas aberturas para os produtos agrícolas do Brasil. Ontem, porém, Amorim deu claras indicações de que as diferenças entre os dois representantes estavam sendo superadas, ainda que aos poucos.

Mandelson, por meio de sua assessoria, confirmou que a conversa com Amorim havia sido "boa". Segundo a Europa, os dois negociadores debateram o que precisarão fazer para chegar a um acordo até julho.

Em Genebra, um dos rumores é que o Brasil já estaria começando a ficar satisfeito e que agora trabalharia para a conclusão de um acordo.

Para alguns analistas, essa aproximação também pode significar que o Itamaraty estaria reduzindo suas ambições, o que é negado pelo gabinete de Amorim. Discursando na OMC, o embaixador do Brasil em Genebra, Clodoaldo Hugueney, reforçou essa percepção ao afirmar que o G-20 (grupo de países emergentes) até poderia rever suas próprias propostas se isso contribuísse para a convergência de posições nas negociações.

Antes de colocar uma nova proposta sobre a mesa, porém, a Europa quer garantias de que será suficiente para que os demais países também façam concessões. Bruxelas quer o corte de subsídios nos Estados Unidos e uma liberalização dos países emergentes em produtos industriais. Amorim, ontem, deixou claro que o Brasil está disposto a fazer essa concessão e indicou que poderá negociar com cada país bilateralmente uma solução para os produtos que o Itamaraty considerar sensíveis.

"Não poderemos colocar em risco a industrialização", afirmou Amorim, que espera poder manter sob certa proteção cerca de 800 linhas tarifárias.

EUA Ontem, Amorim teve a oportunidade de se reunir pela primeira vez com Susan Schwab, a futura representante de Comércio da Casa Branca. Amorim participou de um jantar em Genebra com Rob Portman, o atual responsável em Washington pelas negociações, e a própria Susan.

A mensagem do chanceler foi clara: os americanos precisarão aceitar um corte maior de seus subsídios, curiosamente uma exigência também da parte dos europeus.