Título: Câmbio, Selic e contas públicas
Autor: Amir Khair
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Alguns analistas atribuem a forte apreciação do real às altas taxas Selic. E atribuem a ¿gastança¿ do governo federal em ano eleitoral (não citam Estados e municípios) como causa da deterioração das contas públicas. Defendem a redução das despesas primárias (despesas fora juros e investimentos), especialmente dos programas sociais e uma nova reforma da Previdência.

Outras razões devem ser postas na mesa. A apreciação do real está no sucesso das exportações e na entrada de investimento direto estrangeiro. Quanto às contas públicas, a conta juros compensará o crescimento das despesas primárias pela Selic mais baixa em 2006. Quanto à Previdência, o problema central é de gestão.

Vamos aos argumentos:

1) Selic x câmbio ¿ Quando cresce a Selic, imagina-se que devam subir as aplicações especulativas de estrangeiros e vice-versa. Não foi o que ocorreu. Nos últimos 10 anos, suas variações demonstram que nos quatro períodos em que a taxa foi ascendente o saldo das aplicações foi negativo e nos sete períodos em que a taxa foi descendente só em dois deles é que o saldo foi negativo. Nos últimos 34 anos, o máximo de saída de aplicações especulativas de estrangeiros ocorreu em 2002, atingindo US$ 6,8 bilhões, atribuída ao receio do novo governo.

Entre agosto de 2004 a agosto de 2005, a Selic passou de 16% para 19,75% e, apesar disso, ocorreu saída líquida de aplicações em títulos de estrangeiros de US$ 3,1 bilhões. Quando passou a cair de setembro de 2005 a março deste ano, ocorreu entrada líquida de US$ 5,3 bilhões. Assim é bom analisar em maior profundidade o efeito da Selic sobre o câmbio, pois a realidade tem sido bem diversa do que se apregoa.

O que de fato pode explicar a forte apreciação do real é o saldo positivo de divisas, formado pela soma das transações correntes com os investimentos diretos de estrangeiros (IED). Foram de US$ 30 bilhões em 2004 e 2005 e em 2006 esse valor deverá se repetir ajudado pela conta petróleo, que será superavitária.

Com saldos de divisas tão fortes só restou ao Banco Central a incômoda tarefa de tentar artificialmente enxugar esse excesso de divisas via leilões diários de swaps cambiais reversos para evitar que o dólar ficasse abaixo de R$ 2,10.

O caminho natural para estancar essa queda é o crescimento das importações, que ocorrerá se houver maior crescimento econômico. Para tanto é fundamental estimular o consumo e a oferta. O investimento segue atrás do consumo e de sua perspectiva, e não o contrário. Neste sentido age corretamente o governo com suas políticas de expansão de crédito a juros mais baixos para o consumidor (crédito consignado) e para o produtor (queda na TJLP do BNDES). A desoneração tributária, como as ¿MPs do Bem¿ e as correções da tabela do Imposto de Renda, o aumento real do salário mínimo e das aposentadorias e políticas sociais, como Bolsa-Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), vão nessa direção e deveriam ser intensificadas.

O câmbio nos níveis atuais barateou as importações de bens de capital e matérias-primas, reduzindo custos de produção, e a importação de bens de consumo mantém os preços internos contidos.

2) Contas Públicas ¿ Devem ser analisadas pelo seu resultado nominal, dado pela diferença entre o resultado primário e os juros. Em 2005, o resultado primário foi bem superior à meta de 4,25% do produto interno bruto (PIB), alcançando 4,84%, mas os juros atingiram 7,89% do PIB, dando um déficit nominal de 3,05% do PIB (4,84 menos 7,89).

No último ano de mandato, a legislação força a antecipação de despesas para o primeiro semestre e reduções no restante do ano. O resultado primário de 4,25% será alcançado, e não precisa nem deve ir além. Os juros nominais deverão ficar em 6,7% do PIB por causa de a Selic média deste ano ser inferior à de 2005, dando um resultado nominal deficitário de 2,4% do PIB (4,3 menos 6,7), ante déficits de 3,05% em 2005 e de 7,1% no período 1995 a 2002.

3) Previdência ¿ Quando não há esforços em gestão, buscam-se mudanças nas regras do jogo. Desvios de toda sorte e pouca ação na receita são os responsáveis por um bom pedaço do déficit previdenciário. Com a passagem da receita da Previdência para a Secretaria da Receita Federal e o crescimento econômico, podemos assistir nos próximos anos à forte expansão das receitas previdenciárias. E, caso persista a mudança qualitativa na gestão das despesas, com medidas como o censo e as racionalizações de despesas em curso na atual gestão, é bem possível que os parâmetros de projeção atuarial apontem para outros caminhos. A conferir.