Título: Bolívia nacionaliza petrolíferas e Exército do país ocupa Petrobrás
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2006, Economia & Negócios, p. B1
Decreto foi lido pelo presidente Evo Morales durante ocupação simbólica de instalações da estatal brasileira
Num gesto repleto de simbolismo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, aproveitou ontem o 1º de Maio para firmar um decreto que nacionaliza todas as operações de hidrocarbonetos (gás e petróleo) do país.
Evo fez o anúncio nas instalações do campo de produção de gás de San Alberto, operado pela Petrobrás, no departamento de Tarija, sudeste da Bolívia. Às 13 horas, uma hora depois de lido o decreto, soldados das Forças Armadas atenderam a uma ordem do presidente e ocuparam as 53 instalações de exploração de gás e petróleo até então controladas por empresas estrangeiras. Pessoalmente, Evo liderou a ocupação simbólica do campo de San Alberto, antes de partir para Cochabamba e La Paz, onde receberia a aclamação popular pelo decreto.
"A hora chegou, o dia esperado, um dia histórico quando os bolivianos reassumem o controle absoluto de seus recursos naturais", disse Evo. "Acabou o saque das empresas estrangeiras." O presidente pediu aos bolivianos que se mobilizem contra tentativas de sabotagem das empresas. "Pedimos às petrolíferas que respeitem a dignidade dos bolivianos. Se não respeitarem, faremos nos respeitar à força, pois se trata de respeitar interesses de um país."
Para ir a Tarija, o presidente cancelou de última hora sua participação numa cerimônia em homenagem ao Dia do Trabalho em El Alto, município vizinho de La Paz. O anúncio da nova lei foi recebido com manifestações de júbilo nacional nas concentrações de trabalhadores que se espalhavam por vários departamentos do país.
O texto surpreendeu muitos analistas por seu grau de radicalização. O Decreto 28.701 estabelece que o Estado boliviano passa a controlar todo o processo produtivo do petróleo e do gás bolivianos. A Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolivia (YPFB) assume a parte majoritária (50% mais 1) das ações de todas as filiais de companhias petrolíferas estrangeiras que atuam no país. Com isso, a YPFB se torna responsável por todas as fases dos negócios do setor - da exploração ao transporte, passando pela fixação dos preços ao mercado externo. A nova lei não prevê nenhuma indenização às companhias petrolíferas estrangeiras afetadas pela medida.
As empresas multinacionais ficarão como meros operadores da produção e receberão da YPFB uma remuneração de 18%. O Estado boliviano se apropriará, a título de imposto sobre produção, de 32% das receitas, além de 18% de royalties. Outros 32% serão entregues à YPFB. O Estado se reserva, porém, o direito de ampliar a parte das empresas para até 50%, como forma de incentivar as empresas estrangeiras a manterem seus investimentos no setor. O governo deu às multinacionais 180 dias para renegociarem seus contratos, sob o novo decreto. Após esse prazo, as companhias que não chegarem a um acordo com a YPFB serão convidadas a se retirar do país.
O problema é que a YPFB é, na prática, uma empresa descapitalizada, sem condições de financiar suas operações e sem quadros para garantir sozinha a continuidade da produção. Mesmo assim, logo após o decreto e a ocupação militar das instalações, faixas com os dizeres "Nacionalizado. Propriedade da YPFB - Povo da Bolívia" foram afixadas nos portões da maioria das instalações petrolíferas.