Título: O 'progresso' da democracia nos países muçulmanos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Internacional, p. A11

As carnificinas cometidas por terroristas, provavelmente islâmicos, na região turística do Sinai em abril confirmam que o Egito, como a maioria dos países muçulmanos, caminha numa via estreita ladeada de precipícios. Esses países são espreitados pelo autoritarismo que degenera em tirania. E a democracia que são encorajados a aplicar abre as portas aos islâmicos radicais. O Egito é exemplar, pois reúne dois inconvenientes: autoritarismo e democracia.

Para alguns, a ação dos terroristas em Dahab é uma resposta à severidade do regime de Mubarak e a suas boas relações com o Ocidente.

Mubarak impõe a seu país um regime duro. No poder há 25 anos, colocou o Egito sob estado de emergência que pretende, aliás, prolongar com uma lei antiterrorista. O representante da Human Rights Watch no Cairo, Fadi Al-Qadi, pergunta: "Que diálogo de culturas se mantém em um regime que tortura e põe milhares na prisão?"

Segundo essa tese, o povo egípcio, esmagado pela miséria, a fome, a falta de todas as liberdades, enojado com esses turistas estrangeiros (e, sobretudo, israelenses) praticando mergulho enquanto os egípcios morrem de fome, constitui um terreno fértil para propagandas islâmicas e terroristas.

Essa análise se justifica mas precisa ser completada. O mesmo Mubarak que controla o país abriu, recentemente, seu Egito a eleições relativamente livres. Ele respondia à obsessão americana pela qual, desde 2001, a única opção contra o islamismo radical e o terror é a conversão dos regimes despóticos em democracias.

É preciso reconhecer que a cruzada dos EUA em favor da democracia teve sucesso em quatro anos. Afeganistão, Egito, Palestina e Iraque organizaram eleições livres: a democracia se desfraldou sobre regiões antes privadas dela.

Essa vitória é inquietante: esse atentado nos lembra que a injeção de democracia pode gerar desastres. Olhando as zonas onde a "democracia" foi imposta, não foi a paz, as "luzes", a tolerância que se beneficiaram, mas esta variedade de tirania que é o islamismo radical.

Na Palestina, eleições livres foram realizadas em 25 de janeiro, com triunfo do Hamas, organização terrorista que jurou varrer Israel do mapa. Na Turquia, o Saadet, partido islâmico nada moderado, tem 60 das 546 cadeiras. No Irã, após eleições livres, o Parlamento acolheu 190 radicais para as 290 cadeiras. No Iraque, das 275 cadeiras, 203 foram para radicais.

A lição é espetacular: o radicalismo se aproveitou da "democratização". Passar do despotismo à democracia é um percurso escarpado e perigoso.

Eis o resumo do processo: o regime despótico esmaga a oposição laica, de esquerda ou direita. Só o radicalismo religioso resiste, pois se alimenta de valores enraizados, sobretudo, nos mais pobres. Os radicais são eficazes no oferecimento de benefícios sociais. Quando um país, sob pressão ocidental, convoca eleições, esses islâmicos avançam significativamente.

O jornal Al-Hayat, de Londres, trazia estas linhas premonitórias semana passada: "Os acontecimentos no Oriente Médio e no Egito devem incitar os americanos não a comemorar a vitória 'dos progressos da democracia e a realização de eleições livres', mas a refletir sobre as sociedades e suas culturas." Não esqueçamos que milhões de iranianos votaram em Ahmadinejad, de cuja boca escapa ignorância enquanto desastres despontam no horizonte.