Título: População elogia e país está em clima de ufanismo
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B9

A rotina retomada com a volta do feriado prolongado pôs fim ao carnaval que tomou conta do centro de La Paz após o anúncio da nacionalização dos hidrocarbonetos. Mas não ao orgulho dos bolivianos, particularmente dos pacenhos. "O presidente Evo Morales mostrou que tem a coragem necessária para resgatar nossa dignidade", diz o vendedor de jornais Carlos Apure, brandindo a manchete do diário de La Paz La Razón, que trazia a notícia do decreto. "Somos um país pobre e não podemos permitir que os países ricos continuem roubando nossos recursos naturais."

O clássico andino A mi patria, Bolivia - tocado à exaustão durante a concentração de segunda-feira na Praça Murillo, na frente do palácio presidencial - era ouvido em algumas barracas de ambulantes que vendem CDs piratas no centro da cidade. O proprietário de uma dessas bancas, que se identificou apenas como Luis, disse ter vendido oito desses discos até o começo da tarde de ontem. Normalmente, vende dois ou três por semana.

Se em Santa Cruz de la Sierra ou Tarija - regiões mais ricas e com economia mais dependente da presença das petroleiras estrangeiras - a receptividade da nacionalização não foi tão festejada, em La Paz praticamente não há voz dissonante. Como resultado do histórico de guerras sangrentas e conflitos sociais quase permanentes, o boliviano, em geral, é muito politizado. La Paz concentra a maior parte dos funcionários públicos do país e, por conseqüência, a economia da cidade depende de um Estado que se disponha a gastar muito com salários.

"A privatização neoliberal de Gonnie (apelido do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada) nos quebrou", afirma Patricia Maneche, estudante do Colégio Dom Bosco, na frente de uma barraquinha do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo. "Agora temos um presidente que já anunciou que o decreto dos hidrocarbonetos é só o começo e vamos recuperar todas as propriedades que Gonnie nos roubou para entregar aos gringos."

Ao mesmo tempo que Evo é saudado como grande salvador da pátria, Sánchez de Lozada - posto para correr da presidência em meio a violentos distúrbios em outubro de 2003 - é o demônio preferido dos pacenhos. "Nunca mais os corruptos traidores do povo boliviano voltarão a ocupar o palácio presidencial."