Título: 'Fizemos o que tínhamos de fazer'
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B9

Vice-presidente, considerado eminência parda de Evo Morales, diz que os brasileiros deverão compreender

"Os brasileiros compreenderão que fizemos o que tínhamos de fazer", disse ontem ao Estado o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, em rápida conversa com jornalistas na porta do Palácio Quemado, a sede do governo do país. "Não consultamos ninguém nem negociamos com ninguém porque não tínhamos de fazer isso. Não falamos com Lula, não falamos com (Hugo) Chávez. A medida de nacionalização foi uma decisão soberana do Estado e do povo bolivianos."

A posição de García Linera sobre o tema é relevante. Para muitos analistas e jornalistas da Bolívia, ele é a eminência parda do governo de Evo Morales. Sociólogo, marxista e ex-líder político do Exército Guerrilheiro Tupac Katari, García Linera se tornou ideólogo do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo. Atribui-se a ele grande influência sobre as ações do presidente. "As novas regras estão aí. Basta agora que as transnacionais se adaptem a elas", prosseguiu, referindo-se à Petrobrás e às demais petroleiras , que terão 180 dias para realinhar os contratos sob as novas normas ou deixar o país.

Evo deixou La Paz logo pela manhã e foi a Santa Cruz de la Sierra, onde se reuniria com os novos administradores de algumas plantas de produção de gás e petróleo, cujo controle passa agora à estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB). Na sede de La Paz da YPFB, o movimento normal na frente do edifício camuflava o corre-corre do interior do prédio. Sucateada nos anos 90, quando o negócio de gás e petróleo foi privatizado e entregue a multinacionais, a estatal tem agora o desafio de encontrar quadros capazes de manter as operações do setor.

Segundo uma das porta-vozes da YPFB, Gloria Yzaguirre, não houve ontem, primeiro dia útil após o anúncio da nacionalização, nenhum incidente que afetasse a produção nos 56 campos nacionalizados. O governo garante que o fato de Evo ter ordenado ao Exército a ocupação das petrolíferas evitou locautes ou, como disse García Linera, "sabotagem" das operações pelas multinacionais.

Ontem mesmo, porém, a constitucionalidade do decreto de Evo foi questionada. Falando sob a condição de não ter seu nome publicado, um diplomata baseado em La Paz observou que as múltis se instalaram no país pela Lei de Capitalização, sancionada em 1997 pelo então presidente Sánchez de Lozada. Trata-se de lei ordinária, aprovada pelo Congresso. "Pela atual Constituição, um decreto supremo não pode ter precedência sobre uma lei ordinária."

Para ganhar legalidade, o Congresso precisa revogar a Lei de Capitalização ou dar tramitação à lei de nacionalização. O governo de Evo - que tem a maior bancada da Câmara, mas é minoria no Senado - não tem apoio suficiente em nenhum dos casos.