Título: 'Qual o limite da insanidade?'
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B7

Para Zylbersztajn, decisão do governo da Bolívia deve ser respondida com medidas de retaliação comercial

David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANPENTREVISTAPara o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylbersztajn, o governo brasileiro e a Petrobrás acompanharam com um misto de ingenuidade e soberba o processo que culminou com a nacionalização dos ativos de petróleo e gás na Bolívia. Ele defende agora a retaliação comercial, política e econômica pelo Brasil e não acredita que mesmo o contrato de fornecimento de gás esteja fora de risco. "Qual o limite da insanidade?", indaga, referindo-se à gestão de Evo Morales.

Como classificar a medida do governo boliviano? Como absolutamente fora dos padrões atuais das economias mundiais. Alguma coisa tipo anos 60. Parece um surto infanto-juvenil de ideologia. E quem vai pagar essa conta é o povo boliviano. A Bolívia fechou as portas a qualquer tipo de investimento estrangeiro. Se o objetivo for voltar as primórdios do que era a cultura boliviana nos séculos 17 e 18, eles vão chegar lá.

Parece que a nacionalização não será de 100% dos ativos. Não importa se é 100%, 80% ou 50%. Não se faz um ato de força como este. Não é um problema de valores financeiros, mas de princípios de relacionamento internacional, de diplomacia, de negociação. Não se cerca instalações de uma empresa com o Exército sem motivo aparente, sem nenhum tipo transgressão. E foi o que a Bolívia fez. O que quer dizer essa demonstração de força? O Evo Morales vai usar a força contra os funcionários bolivianos da Petrobrás?

A Petrobrás errou de estratégia dependendo tanto do gás boliviano? Acho que não. Isso é normal no mundo inteiro. A Bolívia seria naturalmente um parceiro importante nesta questão. Quem errou, tomou uma rasteira e caiu no chão sem saber de onde veio o chute foi a diplomacia brasileira, não a Petrobrás. Nossa diplomacia deu uma demonstração de falta de percepção inacreditável. Surpreende como ninguém foi capaz sequer de sentir algum tipo de movimento desses. Foram enganados.

O governo e a Petrobrás foram ingênuos em relação ao que prometiam os bolivianos? Acho que houve um misto de ingenuidade e soberba. Parece ter havido um sentimento de solidariedade imperialista, algo como os países europeus fazem em relação à África. O Brasil acreditou demais e não pagou para ver. Ficaram alegres e felizes e, quando viram, o trem tinha passado em cima.

E qual a solução? Esperar pouco, de 24 a 48 horas, para ver o grau de decisão. Passado esse período de atordoamento, observar o que o inimigo está fazendo. Se for uma posição para voltar a negociar, temos de avaliar como é feita essa negociação. Se for uma decisão de força, o Brasil tem de utilizar todos os mecanismos de resistência. Defender não só a Petrobrás, como patrimônio brasileiro, mas principalmente os direitos do consumidor, que se baseou num contrato não com a Petrobrás, mas com um Estado vizinho. Têm de ser usados todos os meios políticos, econômicos e comerciais para reverter a decisão. A única coisa que não se imagina é uma intervenção na Bolívia. Fora isso, todo e qualquer instrumento tem de ser usado. Retaliação é um mecanismo previsto no comércio internacional.

A Petrobrás argumenta que não há risco de desabastecimento. Isso está assegurado? A gente não sabe. Não se tem mais certeza sobre o que está vigorando. A Petrobrás pode estar falando de uma situação momentânea. Tomara que tenha razão. Mas, não surpreende mais se amanhã o governo boliviano rasgar o contrato. Qual o limite da insanidade?