Título: Janela de oportunidade levou Petrobrás à Bolívia
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Governo daquele país decidira abrir os recursos minerais a estrangeiros; gás natural foi o atrativo

A Petrobrás decidiu ingressar na Bolívia em 1995, aproveitando a abertura para atuação internacional em áreas exploratórias daquele país.

Iniciou efetivamente operação em 1996, mesmo ano em que o governo Sanchez de Losada promoveu a privatização da estatal boliviana Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB), num processo cercado de denúncias de fraudes, no qual o controle da companhia passou ao consórcio Shell/Enron. Na época, sucessivos protestos de trabalhadores já haviam levado o Exército a guarnecer instalações de gás e de refino.

O projeto do gasoduto para trazer ao Brasil o gás boliviano começou a ser estudado mesmo antes disso, em 1994, mas só saiu do papel em 1997 e foi concluído em 2000. A Bolívia teve uma série de governos pró-investimentos, decididos a atrair o capital estrangeiro, já que não tinham recursos internos para produzir o petróleo e gás de reservas recém-descobertas.

"A Petrobrás aproveitou oportunidade de negócio na Bolívia. Na época, havia procura por jazidas de gás no Brasil, mas ainda não havia indícios da megadescoberta da Bacia de Santos, por exemplo", comenta o consultor Jean-Paul Prates, da Expetro. O problema, segundo ele, foi uma mistura indevida de interesses empresariais, políticos e diplomáticos.

Prates lembra que a Bolívia possui gás suficiente para abastecer o consumo interno por mais de 400 anos. Diz que a opção do país é diametralmente oposta à da Arábia Saudita nos anos 70, quando voltou suas reservas de petróleo à exportação e enriqueceu. "Imagine se os árabes declarassem, na época, que não exportariam o petróleo. Quem quisesse, que abrisse lá refinarias. Seria suicídio comercial. Commodity é para ser vendida no mercado internacional."

O Brasil aproveitou a proximidade com as reservas bolivianas para dispor de energia mais barata ao consumo interno.

Paralelamente aos investimentos gigantescos que fazia no país vizinho (cerca de US$ 1,5 bilhão com parceiros, sendo US$ 1 bilhão somente da Petrobrás, no espaço de 12 anos, de 1994 a 2005), a Petrobrás negociou contrato de fornecimento no gasoduto que previa o pagamento pelo volume de gás acertado mesmo que ele não fosse efetivamente consumido, o "take or pay".

Os pesados investimentos fizeram da estatal brasileira a principal empresa em operação na Bolívia, respondendo por 24% da arrecadação de impostos, 18% do PIB e 20% dos investimentos diretos. Para estimular o consumo de gás, a Petrobrás congelou o preço no mercado brasileiro.

Nos primeiros anos de funcionamento do Gasbol, pagou mais caro à Bolívia do que recebeu dos clientes brasileiros, até conseguir duplicar o volume de gás transportado.

Jean-Paul Prates lembra que, depois da fase liberal, a Bolívia abraçou a bandeira de renacionalização de ativos. O anúncio desta semana é o terceiro desde então.

"Depois de cada tentativa, os bolivianos tiveram de reprivatizar, o que certamente terão de fazer agora, mesmo com a grande crise de credibilidade que esta medida irá representar. Nos seis meses da fase de transição, o tom vai baixar. A teatrologia política para consumo interno já foi feita. Agora, é hora de conversar a sério", comentou.