Título: Petrobrás garante que não há risco de desabastecimento no Brasil
Autor: Irany Tereza, Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

'Contrato de gás está assegurado até 2019. Nada mudou', diz o diretor de Gás e Energia da estatal, Ildo Sauer

A Petrobrás descarta risco de desabastecimento de gás no Brasil em conseqüência da nacionalização das reservas bolivianas. O diretor de Gás e Energia da estatal, Ildo Sauer, argumenta que a relação da empresa com a YPFB, a estatal de petróleo da Bolívia, não foi afetada. "O contrato de transporte de gás está assegurado até 2019, com volume entre 24 milhões e 30 milhões de metros cúbicos por dia. Nada mudou", afirma o executivo. Ele admite que a empresa brasileira "pode perder dinheiro na Bolívia" devido aos investimentos já feitos, mas isso não terá impacto no contrato de abastecimento.

"A rentabilidade da Petrobrás na Bolívia será profundamente afetada", afirmou, sem quantificar os prejuízos. "Essa não é a minha área e as simulações ainda estão sendo feitas pelos técnicos." Mas lembrou que, hoje, a relação de remuneração é exatamente inversa da de um ano atrás, quando o governo boliviano recebia 18% da receita das empresas que operavam em seu território. Depois, esta proporção passou a meio a meio e, agora, o governo passa a ter direito a 82% de toda a receita. "Isso é temporário. Vai vigorar durante os seis meses de transição, enquanto os contratos estiverem sendo renegociados", minimiza Sauer.

Na verdade, não há certeza sobre o que ainda vai ocorrer na Bolívia. Para o presidente da Petrobrás-Bolívia, José Fernando de Freitas, houve apenas o comunicado oficial do presidente Evo Morales. Nenhuma autoridade boliviana procurou a direção da empresa para detalhar a medida. Freitas disse que a ocupação do Exército nas unidades da Petrobrás foi feita de forma discreta, sem alterar a rotina operacional nas refinarias e nos centros produtores de gás.

"Estamos operando normalmente. O único campo que está produzindo abaixo de sua capacidade é o de San Antonio, por causa do acidente ocorrido no mês passado, em razão do temporal. Este campo já produziu 13 milhões de metros cúbicos por dia e hoje está em 11 mil, mas isso nada tem a ver com a decisão política", afirmou Fraga. Segundo ele, a estatal ainda está avaliando internamente a medida boliviana.

Em Houston, onde participa da Offshore Technology Conference, principal feira anual do setor de petróleo, o diretor de exploração e produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, disse que quebras unilaterais de contrato, como a promovida pela Bolívia, são "uma violência". O executivo disse que a instabilidade regulatória será um dos principais desafios à indústria do petróleo nos próximos anos, assim como o aumento de custos dos equipamentos e o desenvolvimento de novas tecnologias.

"Quebras unilaterais de contrato não são justas. São uma violência", afirmou Estrella para uma platéia formada por executivos de todo o mundo. Ele não citou o exemplo boliviano no discurso, no qual destacou que o respeito aos contratos assinados é decisivo para a manutenção dos investimentos da indústria do petróleo. "Não há dúvidas que nossa indústria de capital intensivo requer dos governos um marco regulatório, que mantenha um ambiente sustentável para os investimentos."

Depois da apresentação, Estrella disse que falava de forma geral e não se referia particularmente à Bolívia. Mas não escapou de perguntas sobre a situação boliviana. "Não há pânico. A lei nos dá seis meses para negociar e esperamos começar o mais rápido possível", afirmou.

Ele também disse que a empresa não trabalha com a hipótese de corte no fornecimento de gás ao Brasil. "Esperamos que eles mantenham o contrato atual", concordou o diretor de Abastecimento da companhia, Paulo Roberto Costa, que informou ainda que a Petrobrás tem planos de contingência para a hipótese de falta do energético, com a substituição por outros produtos, como óleo combustível.

O executivo frisou que Brasil e Bolívia têm interesses mútuos na questão do gás, o que pode facilitar as conversas. "Eles têm de produzir gás e precisam que o Brasil compre", afirmou, evitando uma análise mais detalhado do decreto de Evo Morales. "Recebemos as informações ontem e ainda estamos avaliando." Estrella substituiu o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, que daria entrevista ontem, mas teve de antecipar sua volta ao Brasil após o acirramento da crise.