Título: Por onde começar a reforma
Autor: Paulo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Desde 1998, quando os congressistas aprovaram a chamada Constituição Cidadã, os técnicos responsáveis pelo equilíbrio das contas nacionais vivem em turras com o peso dos gastos previdenciários no orçamento federal. Naquele ano, diversos enxertos e concessões propostos e outorgados, com o justo objetivo de buscar proteção aos menos favorecidos, criaram uma conta fabulosa para o contribuinte à custa da redução dos investimentos e do aumento dos impostos.

O reflexo da diretriz adotada pode ser percebido atualmente, de acordo com estudo recém-publicado por Fábio Giambiagi, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

As despesas com seguridade social dispararam no Brasil. Saltaram de 2,5% do produto interno bruto (PIB), em 1988, para 7,6% do PIB, em 2005. As projeções indicam que deve atingir 7,9% do PIB este ano. O gráfico das contas previdenciárias causa apreensão. Nos últimos 18 anos, desde a entrada em vigor da Constituição que deu a cada brasileiro, no mínimo, um pequeno benefício, independentemente da contribuição feita ao sistema, a curva de gastos com seguridade jamais arrefeceu.

Os últimos presidentes tentaram induzir reformas do sistema previdenciário, transformadas em remendos após embates profundos ¿ quando não nervosos ¿ com o Congresso e com a sociedade civil organizada. Os pequenos ajustes buscaram sempre evitar o descarrilamento da capacidade de pagamento dos seguros. Como os números sublinham, não foram suficientes para estancar o crescente peso das despesas com seguridade nas contas nacionais. Hoje, além da apreensão com o chamado déficit atuarial, que projeta e compara, com a arrecadação, o volume e o valor de benefícios que precisam ser pagos no futuro, há o problema presente do déficit corrente, pois os desembolsos já estão maiores que a arrecadação.

A administração pública tem tentado solucionar o problema nos últimos anos. Promoveu mudanças nas regras para novos participantes e, para trabalhadores da iniciativa privada, taxou inativos e aumentou a idade mínima para aposentadoria. No entanto, tais medidas não conseguiram compensar os aumentos de gastos, como, por exemplo, o aumento real do salário mínimo. Esse componente interfere direta e proporcionalmente na Previdência, pois dois em cada três benefícios equivalem ao piso, igual ao salário mínimo.

Da forma como evolui, o sistema previdenciário brasileiro existente atualmente não sobreviverá financeiramente para atender às próximas gerações. Além disso, as despesas crescentes com aposentadorias e pensões continuarão a causar um desequilíbrio estrutural nas contas nacionais, fazendo explodir os gastos sociais do governo e atrofiando a capacidade do poder público de investir em obras de infra-estrutura e em educação e saúde, rubricas diretamente relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

Os crescentes gastos previdenciários causam enorme necessidade por mais receitas. A carga tributária é um reflexo desse sintoma e cresceu acima da capacidade do setor produtivo de suportá-la. De 24,4% do PIB, em 1991, atingiu cerca de 38% do PIB, em 2005. Na contramão, o torque no aumento da arrecadação não resultou em mais investimento. Em 1998, União, Estados, municípios e estatais federais despenderam, juntos, em todas as áreas, 6,3% do PIB, ante 3,4% do PIB em 2004.

O desafio de melhorar o gasto público passa, primeiramente e inequivocadamente, por uma reforma do sistema previdenciário que resolva, de uma vez por todas, sem subterfúgios, o grande desequilíbrio entre receitas e despesas, problema tão atual quanto futuro. Tergiversar sobre isso significa continuar a impingir à sociedade, ao mesmo tempo, impostos altos com baixo retorno social, como já vem ocorrendo. As conseqüências de tal política serão funestas. País nenhum pode almejar desenvolvimento com passo tão trôpego.