Título: Contratos cancelados preocupam montadoras
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Economia & Negócios, p. B13

Exportações ainda estão em alta, mas a tendência é desaceleração

Ônibus especiais, com teto removível para transportar peregrinos à Meca e à Medina, na Arábia Saudita, são alguns dos produtos que fizeram da Marcopolo importante fornecedora do Oriente Médio. A crença diz que, para pagar penitências, os fiéis precisam dirigir-se aos locais sagrados recebendo o sol diretamente nas cabeças. Desde 2001, a empresa brasileira exportava anualmente mil ônibus para a região. Este ano, a venda foi suspensa. Fabricantes asiáticos ofereceram condições melhores depois que a cotação do real disparou. "Os contratos foram literalmente abortados", diz José Rubens De La Rosa, diretor da Marcopolo.

Na Saint-Gobain Sekurit, que tinha 20% do faturamento com vendas externas, a participação este ano ficará próxima de zero. Grandes clientes como a Europa estão preferindo comprar vidros automotivos da Índia, Tailândia, China e do Leste Europeu, "única e exclusivamente por causa do câmbio", diz Renato Holzheim, diretor da empresa.

A indústria de veículos e de autopeças, tachada de "chorona" por recorrer ao governo cada vez que enfrenta uma crise, afirma que vinha alertando o governo sobre os efeitos da valorização do real há vários meses. As exportações dos dois segmentos seguem em alta, embora em desaceleração, mas o efeito será mais sentido nos novos contratos, que não estão sendo renovados.

O presidente do Sindicato Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Sindipeças), Paulo Butori, compara o setor a um transatlântico sendo freado. "Ele não pára de repente, mas pára." A Volkswagen, quinta maior exportadora brasileira, anunciou corte de 100 mil veículos nos contratos de exportação até 2008. Junto, virão cortes de milhares de empregos. Os sindicalistas falam em 5.773 demissões em três fábricas do grupo.

O mercado externo fica com 42% da produção da Volks, que em 2005 somou 614 mil carros. Nos últimos anos, as margens com exportação desabaram. "É como vender o carro com um cheque no porta-luvas.", diz o presidente da montadora, Hans-Christian Maergner.

Segundo analistas, a crise cambial reforçou antigo problema da falta de competitividade da Volks, que mantém em São Bernardo do Campo uma enorme fábrica que produz modelos velhos (Kombi, Santana e Gol) e o Fox Europa, exclusivo para exportação justamente para um dos mercados mais afetados pelo câmbio. "Não podemos aumentar preços na Alemanha, pois isso nos tiraria do mercado", explica Maergner.

Outras montadoras não prevêem demissões, mas também reclamam da política cambial. A General Motors projeta queda de 20% a 30% nas unidades exportadas, embora em valores os negócios serão mantidos por causa do aumento de preços dos veículos. A Fiat calcula vendas externas de 80 mil unidades este ano, 20 mil a menos que em 2005. Já a Ford vai reduzir entre 5% a 10% suas exportações. Só do modelo Ka, fabricado em São Bernardo, a queda será de 25 mil para 5 mil unidades. As quatro montadoras respondem por 80% de toda a exportação de veículos do País.

Com a perda cambial de 35% nos últimos dois anos, somada ao aumento de custos de insumos e mão-de-obra de 15%, o Brasil tem uma perda de competitividade de 50%, calcula Holzheim. A Saint-Gobain tem cinco fábricas de vidros no País - em Mauá e São Caetano do Sul (SP), Betim (MG), Curitiba (PR) e Gravataí (RS). Juntas empregam 1.150 funcionários. Por enquanto, não há planos de demissões, pois a empresa busca compensar no mercado interno a perda na exportação.

A Honeywell, fabricante de turbo compressor e peças, dispensou 10% dos 220 funcionários e reduziu um turno de trabalho na fábrica em Guarulhos. A empresa tinha 30% dos negócios atrelados às vendas externas em 2004, quando exportou US$ 15 milhões. Em 2005, o volume baixou para US$ 12 milhões e, este ano, não deve passar de US$ 9 milhões, ou 15% do faturamento.

"Paramos de exportar para a Europa, mercado conquistado há cinco anos, pois perdemos contratos para a planta do grupo na Romênia", diz José Rubens Vicari,diretor-geral da Honeywell na América do Sul. A empresa adiou investimento de cerca de US$ 800 mil previsto para o segundo semestre.