Título: Governo ignora romaria a Brasília e diz que não vai intervir no câmbio
Autor: Lu Aiko Otta, Fabio Graner
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Economia & Negócios, p. B12

Empresas devem se preparar para competir e governo deve atacar gargalos da infra-estrutura e carga tributária

Com o apoio de peso das montadoras, setores empresariais exportadores prejudicados pelo dólar barato fizeram uma romaria a Brasília na semana passada e colocaram o câmbio na ordem do dia da equipe econômica. Todos ouviram a mesma resposta: apesar de reconhecer que a valorização do real tem causado problemas, o governo não vai mexer na política cambial para elevar o dólar e, assim, melhorar o faturamento desses setores. O socorro, se vier, será de outras formas: mais financiamento para empresas e o agronegócio ou políticas com recursos do orçamento federal.

Setores como calçados, móveis e agricultura enfrentam dificuldades desde 2004, que se agravaram este ano, quando o dólar se aproximou da barreira dos R$ 2. Representantes das indústrias de calçados, móveis e da Volkswagen vieram a Brasília na semana passada para mostrar os estragos provocados pela queda na sua atividade. Já os agricultores estão há duas semanas bloqueando estradas em protesto contra a crise no setor, na qual o dólar barato é um dos componentes.

Quem esperava qualquer sinal de mudança na política cambial saiu frustrado. "O setor calçadista ouviu não, as montadoras ouviram não e isso vale para todo mundo", resumiu Luiz Marinho. Embora preocupado com o dólar, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurou tranqüilizar seus interlocutores, avaliando que o câmbio tem uma "tendência natural" de acomodar-se.

A mesma avaliação foi feita pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, ao insistir que a taxa vai encontrar um "ponto de equilíbrio".

Na quinta e sexta-feira, o dólar reagiu e subiu perto de 4%. A causa, porém, é externa: incertezas quanto ao processo de alta na taxa de juros dos Estados Unidos. Houve, ainda, uma ajuda do Banco Central, que nas duas últimas semanas entrou bem mais forte no mercado e comprou pelo menos US$ 3 bilhões, segundo estimativas do mercado.

Mantega e Appy acham que o dólar vai se equilibrar porque alguns fatores têm contribuído para aumentar a procura da moeda estrangeira. Um deles é o crescimento das importações. Outro é a queda dos juros internos. Desde setembro do ano passado, o Banco Central vem cortando os juros básicos da economia brasileira, a taxa Selic. De 19,75% em agosto ela caiu para 15,75% em abril. Esse movimento, junto com a subida do juro americano, tende a diminuir o interesse dos estrangeiros de investir no País.

ABERTURA

A cotação do dólar só vai subir de forma consistente quando o Brasil abrir mais sua economia, avaliam especialistas ouvidos pelo Estado. Para que isso ocorra sem extinguir setores inteiros, será necessário as empresas se prepararem para competir e também que o País ataque seus pontos de ineficiência, como a falta de infra-estrutura e a carga tributária elevada. Também na área técnica do governo corre a avaliação que alguns setores precisam se modernizar, ou não vão sobreviver, já que o governo não fará uma política de câmbio desvalorizado.

"O mundo se tornou uma montadora de eficiências. Quem lutar contra essa maré vai morrer afogado", disse o consultor Nathan Blanche, da Tendências Consultoria Integrada, para quem o problema central não é o câmbio, mas sim a competitividade das empresas. "Certamente alguns setores vão sair perdedores, mas a abertura é boa para a economia como um todo", afirmou a economista Zeina Latif, do ABN Amro.

O economista Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) acha que a trajetória de queda do dólar só será revertida com uma combinação de queda acentuada na taxa de juros e aumento na demanda interna. "Mas isso vai contra o mix de política econômica atual", comentou.

Embora a balança comercial brasileira continue vendendo saúde, apesar da reclamação dos exportadores, ele alerta para o fato de que as vendas ao exterior estão bem porque o preço das mercadorias subiu no mercado internacional. No entanto, as quantidades estão caindo. "Estamos vendo a inversão do processo de internacionalização das empresas, e isso pode nos trazer implicações sérias não agora, mas nos próximos anos", disse Ribeiro.

Para Zeina Latif, o forte desempenho da balança comercial brasileira tem como conseqüência natural a valorização do real. "Nesse contexto, a valorização do câmbio é inevitável. O governo tem poucos instrumentos para enfrentar isso."

"Não tenho boa notícia para esse pessoal", disse Nathan Blanche, referindo-se aos fabricantes de automóveis, móveis e calçados que estiveram em Brasília na semana passada. Isso porque a perspectiva de subida do dólar está longe, na sua avaliação. Em 2005, considerando vendas de mercadorias e serviços, o País recebeu mais dólares do que gastou. A diferença foi de US$ 37 bilhões, nas contas do consultor. Desses, o governo comprou perto de US$ 12 bilhões. Este ano, acredita Blanche, o fluxo será maior do que em 2005: US$ 43 bilhões. Ele não acha razoável o governo continuar comprando dólares e elevando a dívida interna.