Título: 'O museu é um iceberg vindo da Europa'
Autor: Jotabê Medeiros e Mauro Mug
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2006, Metrópole, p. C1

Conservador-chefe do Masp entre 1994 e 1997 e um dos maiores especialistas brasileiros de arte, o historiador Luiz Marques não é de falar muito, mas comentou a atual crise.

A Eletropaulo está certa em cortar a luz de um museu como o Masp?

Seria inimaginável dizer isso. O museu não pode ser tratado como um restaurante qualquer. É chocante. Todos nós temos um pouco de culpa, uns mais, outros menos. A pessoa que toma seu ônibus na cidade não tem nada a ver com isso. Mas a parte excedente da sociedade, aquela que gosta de segurar um copo de champanhe na abertura de uma exposição do museu, essa tem sua culpa. Não é o padrão internacional (cortar a luz de um museu). A sociedade que detém obras dessa qualidade não deixaria. São Paulo nunca teve uma relação com o Masp que fosse de adoção. O museu caiu no seu colo muito a contragosto. A diretoria não é a única culpada. E eu digo isso com a maior das isenções, não tenho qualquer relação com a diretoria. O Julio Neves não pode fabricar os R$ 7 milhões...

Quantos milhões?

Foi minha empregada doméstica que ouviu no rádio hoje de manhã. Podia ser R$ 300 mil, R$ 10 mil. O fato é que o museu, como instituição, não está equacionado. Nós gostamos de dizer: é o museu que detém o maior patrimônio artístico da América Latina...

Quando o senhor fala das pessoas que gostam de tomar champanhe em vernissage, o senhor lembra entrevista recente do governador Cláudio Lembo, que culpou a "elite branquinha" pela situação de violência.

Fiquei estarrecidamente bem impressionado com o que ele disse. Mesmo a Heloisa Helena (senadora do PSOL) tenderia a contemporizar. Ele chutou de bico e acertou. Aplica-se a tudo no País. As elites aqui são muito recentes. Têm enorme poder aquisitivo, sem na verdade pertencer a uma "elite". Não freqüentam grandes escolas, porque não há grandes escolas. Elite não é uma palavra pejorativa, não deveria ser. No Brasil, são apenas ricos, não se trata de elite. Eles não detêm nenhum patrimônio cultural, nem histórico. Hoje, o sujeito abriu uma franchising de esfiha e ficou rico. Você quer que esse sujeito perceba que cultura é importante? Nesse caso do Masp, você sabe de quem é a culpa? É de o Masp existir. Ele não existe por uma deliberação da sociedade, mas por uma decisão de um empresário, Chateaubriand, e de um curador esclarecido, o Bardi. O próprio Estadão foi contra o Masp. Em 1946, 1947, vocês publicaram um editorial, "Quem precisa de Michelangelo?" Era compreensível. Bardi era apenas um "carcamano", os Mesquita eram "a" sociedade. Chateaubriand não era um homem fácil, era um rival nos negócios, era complicado. E o Bardi só foi "aceito" pela sociedade, só se tornou uma espécie de herói quando escreveu "Merda" na parede do Masp. O Masp é um iceberg que a gente pegou na Europa e trouxe para cá. Mas agora ele está derretendo.Não é daqui.