Título: MST oferece ajuda à 'revolução agrária' da Bolívia
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Economia & Negócios, p. B1,3,4,5,6

No encerramento do Fórum Alternativo, ativista antoglobalização sugeriu folha de coca como símbolo do evento

O presidente da Bolívia, Evo Morales, recebeu ontem um inusitado apoio do líder do Movimento dos Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, para sua "revolução agrária". No encerramento do Fórum Alternativo, em Viena, Stédile ofereceu as tropas do MST para expulsar os "latifundiários brasileiros" da Bolívia.

Stédile tocou ainda no ponto nevrálgico das relações Brasil-Bolívia ao declarar que "o povo brasileiro apóia a estatização do setor do gás na Bolívia", para delírio da platéia que lotava um complexo esportivo da capital austríaca.

"Estamos ansiosos, agora, com a reforma agrária e esperamos que ela comece pelas terras dos latifundiários brasileiros", afirmou Stédile. "O dia que você precise expulsá-los, não precisa chamar o Exército. É só chamar o MST", completou, dirigindo-se a Morales.

A exposição inflamada de Stédile foi apenas uma das aberrações do encerramento desse fórum, que reuniu organizações não-governamentais em paralelo à IV Cimeira União Européia-América Latina. Pouco antes de Stédile, que falou em nome dos movimentos populares latino-americanos, o ativista antiglobalização José Bové, da França, distribuiu folhas de coca entre os membros da mesa diretora da sessão para que "degustassem" a erva e defendeu que ela se torne o símbolo do Fórum Alternativo. "A folha de coca não é só boa para a saúde. Ela expressa a cultura e o espírito de um povo", disse.

Enquanto o Fórum transcorria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva jantava com o presidente austríco, Heinz Fischer, seu último compromisso oficial em Viena. Ao deixar o hotel para ir ao encontro de Fischer, Lula brincou com os jornalistas: "Vocês vão ao Fórum para ver o Evo?" - perguntou, sorrindo.

Personagem mais celebrado pela platéia, Morales arrancou aplausos efusivos. Mas fez um discurso morno e mais equilibrado que sua entrevista à imprensa na última quinta-feira, quando acusou a Petrobrás de ser contrabandista e sonegadora de impostos em seu país. Com ponderação, ressaltou que será preciso calcular "como e quando" colocar em prática a sua "revolução agrária", sem repetir que é "amigo" dos sojeiros brasileiros.

Morales passou rapidíssimo pelo tema da nacionalização do setor de gás, apesar do registro de apoio no documento final do Fórum. O ex-líder cocaleiro apenas comentou que havia conversado com o presidente Lula e culpou novamente a imprensa pelo seu atrito com o governo brasileiro. Na mesma linha de seu mentor, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ele preferiu contentar a platéia com críticas aos Estados Unidos, ao modelo neoliberal e com a defesa da descriminalização da folha de coca.

Os comentários de Morales contra os Estados Unidos nem seriam necessários. Prometendo falar menos que cinco horas, Chávez declarou que o mundo está sob a "ameaça da 4ª Guerra Mundial", afirmou que o "Império (os Estados Unidos) chegou ao seu fim" e condenou, usando um sonor palavrão, qualquer negociação em torno da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos EUA.