Título: "Não devemos remoer o passado"
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Economia & Negócios, p. B1,3,4,5,6

Lula critica indiretamente o Peru, Uruguai e Venezuela e prega a necessidade de se dar um 'salto de qualidade'

Em tom conciliatório, o presidente Lula deu um "puxão de orelha" no presidente boliviano, Evo Morales, e nos outros líderes sul-americanos que escancaram as suas desavenças mútuas, na Reunião de Cúpula de Viena.

Lula se reuniu ontem de manhã com Morales e Alejando Toledo, do Peru, e evitou responder perguntas específicas sobre os ataques do seu colega boliviano à Petrobrás e ao Brasil, preferindo amenizar as declarações resumindo que tudo o que aconteceu "representou apenas que tinha muita fumaça e pouco fogo."

Lula lembrou a Evo Morales "que o Brasil precisa do gás do Bolívia, e a Bolívia precisa vender o gás para o Brasil." E avisou: "É preciso encontrar o ponto de equilíbrio justo para que o Brasil fique satisfeito e a Bolívia fique satisfeita. Eu acho que, tendo esta compreensão, nós não teremos problema nenhum no nosso continente."

Segundo Lula, os dois presidentes compreenderam que "a única chance que nós temos de nos desenvolver é ter paz na América Latina, ter paz na América do Sul." Comentou que "sonha com isso", que trabalha para isso e vai continuar acreditando nesse projeto.

O recado aos demais presidentes da região, que alimentam picuinhas entre si, veio quando Lula avisou: "É preciso parar, na América Latina, de um presidente ficar culpando o outro pela pobreza do seu país. É preciso saber o que nós deixamos de fazer em algum momento da nossa História. E eu acho que se a gente pensar no século 21, a gente pode dar um salto de qualidade. Se a gente ficar remoendo o passado, não andaremos".

A mensagem foi endereçada a pelo menos quatro de seus colegas do continente: Morales, Alejandro Toledo, Tabaré Vázquez, do Uruguai e, especialmente, ao seu companheiro venezuelano Hugo Chávez.

"Eu sou muito otimista com o processo de integração na AL, trabalho para isso", disse Lula, reconhecendo que há muitas questões a serem resolvidas na região. "Nós temos problemas até porque a democracia na América Latina é muito incipiente, é muito nova. Por isso, é preciso que todos nós tenhamos paciência. Eu acredito que nós haveremos de ter uma integração forte".

"Vai demorar alguns anos? Vai. Afinal, não temos o poderio econômico que tem a União Européia. O Brasil é o país mais rico, mas é um país pobre, e é com essa pobreza e a vontade de crescimento, com a vontade de melhorar a renda de nossa gente é que nós poderemos dar um salto de qualidade."

As declarações de Lula foram dadas no saguão do luxuoso hotel Imperial, onde estava hospedado, depois de se reunir, primeiro com Evo, e, depois, com Toledo. Na sua passagem por Viena, Lula não se encontrou reservadamente com Hugo Chávez - um fato raro.

"Ninguém precisa ser igual a ninguém. Ninguém precisa querer fazer a mesma coisa. Mas nós precisamos compreender que somente com muita tranqüilidade, muita paz e muito entrosamento é que vai nos dar a chance de ser um continente ou subdesenvolvido ou em desenvolvimento para nos transformarmos num continente desenvolvido", concluiu Lula.

A visita do presidente Lula a Viena não se limitou à sua participação na Cúpula União Européia-América Latina. Ontem à tarde, depois de almoçar na embaixada brasileira, o presidente Lula iniciou uma visita de Estado de sete horas à Áustria. Lula foi recebido em cerimônia oficial no Palácio de Hofburg, participou de uma reunião de trabalho com seu colega austríaco Heinz Fischer, e, por fim, a um jantar, na sede do governo.

A decolagem do presidente brasileiro de volta ao Brasil estava prevista para as 22h30, (17h30 em Brasília). Lula seguiria direto para São Paulo para passar o Dia das Mães com dona Marisa Letícia, que não o acompanhou na viagem, e os filhos, em São Bernardo do Campo. Ele deve retornar ainda na noite de domingo para Brasília.