Título: Turbulência faz Bernanke adotar nova linguagem
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

O presidente do Fed (banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, admitiu ontem à Comissão de Finanças do Senado que errou ao fazer um comentário à jornalista Maria Bartiromo, da emissora a cabo CNBC, durante o jantar da Associação dos Correspondentes da Casa Branca, no mês passado.

Estrela do jornalismo financeiro nas redes a cabo, Maria ignorou a regra do "off the record", que protege as conversas entre autoridades e repórteres em ocasiões sociais, e revelou, em seu programa, que Bernanke lhe falou sobre seu desapontamento com o fato de alguns investidores acharem que ele é condescendente com a inflação. Inicialmente, os analistas viram na informação uma indicação de que o Fed sustaria a política de aperto monetário que iniciou em 2004.

A turbulência que o relato da repórter provocou nos mercados de capitais continuou mesmo depois que, no dia 10, a Comissão Federal do Mercado Aberto (Fomc), o Copom americano, aumentou a taxa de juros pela 16ª vez consecutiva, para 5%, e sinalizou a possibilidade de nova alta por causa da pressão inflacionária.

Bernanke referiu-se ao episódio como "um lapso de julgamento". "No futuro, minhas comunicações com o público e com os mercados serão inteiramente pelos canais regulares e formais", afirmou. Isso significa que ele seguirá o exemplo de seus antecessores, Alan Greenspan e Paul Volcker, de limitar pronunciamentos a discursos e depoimentos periódicos às duas casas do Congresso. Acredita-se que Bernanke manterá periodicamente conversas reservadas com um grupo seleto de jornalistas financeiros dos principais órgãos da imprensa escrita. O que não se sabe é se Bernanke, ex-acadêmico que nunca teve de se preocupar com o impacto de suas palavras entre os agentes econômicos, frustrará os que previram que ele restabeleceria o uso do inglês em seus pronunciamento e desenvolverá uma linguagem propositalmente ambígua, como fez Greenspan.

"Acho que esse episódio não terá maior conseqüência e faz parte do aprendizado de qualquer novo presidente do Fed ou secretário do Tesouro, mas Bernanke está em Washington há algum tempo e devia saber que não deve dizer nada importante numa situação social, mesmo em off", disse Edwin "Ted" Truman, ex-diretor internacional do Fed e hoje no Instituto de Finanças Internacionais. Quando à linguagem que Bernanke adotará, Truman disse ser "muito difícil ser claro quando se fala sobre situações que não são claras, como a que atravessamos".

'GREENSPANÊS' O óbvio problema de credibilidade que Bernanke enfrenta foi ilustrado pelo título que o Wall Street Journal deu a uma reportagem na segunda-feira: "O que faria Greenspan?".

O problema que a economia americana vive no momento não é nem novo nem desconhecido de Bernanke: sob o impacto de repetidas altas nos juros, a economia começou a esfriar, mas a inflação continua apontando para cima. O dilema é clássico - o Fed deve se preocupar mais com a inflação ou com o crescimento? - e envolve a dosagem e o timing da política monetária.

Greenspan enfrentou o problema três vezes, em 1989-1990, em 1994-1995 e em 1999-2000. Em todas as ocasiões, ele convenceu os demais 11 membros da Fomc a sustar a alta de juros antes de a inflação atingir o auge no período. Em dois casos, o resultado foi uma breve recessão, mas nos três episódios, a inflação acabou ficando mais baixa do que havia começado.

Num estudo que publicou sobre o assunto em 1995, Bernanke, então na Universidade de Princeton, ensinou que o crescimento começa a arrefecer cerca de seis meses depois que o Fed começa a arrochar os juros, mas a inflação demora um ano para ceder. Desta vez, contudo, a inflação está demorando mais baixar.

"Não quero julgar por que o mercado de ações está fazendo o que está fazendo", disse Bernanke, pressionado para esclarecer se o Fed é responsável pela recente queda do mercado e se a alta de juros continuará. Ele relembrou que o mandato do Fed é para manter a estabilidade dos preços, o máximo emprego sustentável e os juros baixos "e as decisões de política monetária serão tomadas com base nos exames dos dados, para assegurar esses objetivos".

"Em nossa declaração de 10 de maio notamos que há algum risco de inflação; entre outras coisas, a inflação mais alta elevaria os juros imobiliários aumentando os juros de longo prazo", disse. "Como indicamos, alguma consolidação da política (monetária) talvez seja necessária para lidar com esses riscos", disse, em "greenspanês".

Ciente que a admissão de um erro de julgamento manterá sua credibilidade em questão por mais tempo, Bernanke lembrou que a próxima reunião da Fomc será em 28 e 29 de junho. Acrescentou que os governadores do Fed "examinarão cuidadosamente os dados antes de tomarem sua decisão".