Título: Made in USA: jubus, ou judeus que também são budistas
Autor: Ricardo Muniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Vida&, p. A28

Estima-se que pelo menos 30% dos recém-convertidos ao budismo nos Estados Unidos sejam judeus

O altar na sala de estar de Becca Topol, de 37 anos, tem uma estátua de Buda e uma pedra de jardim pintada com a palavra hebraica para paz, "shalom". Em abril, ela celebrou a Páscoa judaica com uma narrativa da hagadah modificada, comparando o êxodo do Egito com a libertação de Buda do sofrimento.

"Sou uma judia budista - uma jubu", diz Becca. "Minha prática budista, na verdade, me torna uma judia mais forte." Embora enriqueça o judaísmo de Becca, dando-lhe um senso de espiritualidade mais profundo, o budismo confunde seu colega jubu David Grotell, de 41 anos. Ele não quer violar a proibição judaica da adoração de ídolos. "Tenho um local de meditação em casa, mas, como judeu, simplesmente não posso pôr uma estátua de Buda ali." O dilema de Grotell e a confiança de Becca mostram como a experiência jubu pode ser diversificada - mesmo dentro de um centro zen-budista em Santa Monica, na Califórnia.

Ninguém sabe ao certo quantos são os jubus - as últimas pesquisas foram feitas nos anos 70. A grande maioria dos 3 milhões de budistas dos Estados Unidos é asiática, mas, segundo algumas estimativas, pelo menos 30% dos recém-convertidos ao budismo são judeus (nos EUA, a comunidade judaica reúne 6 milhões de pessoas).

Para Alan Lew, que estudou budismo por dez anos antes de mudar de rumo e se tornar um rabino, a paradoxal mistura entre o judaísmo, que reverencia um só Deus, e o budismo, que não tem um ser supremo, é "um encontro frutífero e criativo de duas correntes religiosas".

"A maioria das pessoas não se aprofunda muito no budismo. Elas só querem sentir-se um pouco melhor", afirma Michael Shiffman, fundador da L.A. Dharma, uma organização budista aberta de Los Angeles. "Mas é possível ser judeu e não acreditar em Deus? Boa pergunta." Outros, no entanto, diriam que tudo depende da definição que o indivíduo dá a Deus.

SOFRIMENTO

Em essência, o budismo cria um caminho solitário e silencioso que se afasta do sofrimento e leva a uma vida baseada numa visão abrangente de interconectividade, sabedoria e compaixão. Um método para atingir essa consciência é a meditação diária. Por não ser dogmático, o budismo não exige que os seguidores aceitem ou rejeitem nada - nem mesmo a noção de Deus.

Por isso, nesse aspecto ele difere bastante do judaísmo, uma tradição de base comunitária que depende de regras, leis e orações para ligar os seguidores a um deus pessoal. Então o que os judeus vêem de tão atraente no budismo?

"O sofrimento está no centro da questão", sugeriu David Gottlieb, cujo livro autobiográfico Cartas a um Judeu Budista examina a vida de um "judeu zen" que luta para conciliar suas duas identidades. "O judaísmo, em sua melhor forma, abraça o sofrimento. Na pior, o santifica. O budismo procura explicitamente pôr fim ao sofrimento e não olha para o passado."

A maioria dos jubus é membro da geração do baby boom que cresceu em famílias vagamente religiosas e começou a sentir-se incompleta nos tumultuados e experimentais anos 60 e 70. Eles se uniram a legiões de jovens que buscavam base espiritual e acabaram recorrendo ao budismo, uma receptiva prática meditativa isenta dos estigmas culturais presentes, por exemplo, no cristianismo ou no islamismo.

"Fico encorajado ao ver que as pessoas querem encontrar algo mais espiritual", afirma o rabino Bentzion Kravitz, de um grupo chamado Judeus pelo Judaísmo. "Mas também fico desiludido por elas não encontrarem isso no judaísmo. Talvez não tenhamos feito um trabalho bom o suficiente para tornar o misticismo judaico acessível para as massas."

Mas Marc Lieberman, um oftalmologista de São Francisco que ajudou a organizar um histórico diálogo entre líderes judaicos e o Dalai Lama em 1989, vê o fenômeno jubu com um exemplo de " inovação americana". "Sou um mosaico saudável do judaísmo e do budismo", disse Lieberman. "Meu lado judeu é uma sensibilidade tribal; uma identidade reflexiva com a dor e a agonia de meu povo e o orgulho e as glórias de suas tradições. Mas meu lado budista pergunta: 'Isto exclui outros no mundo?'"