Título: É melhor EUA negociarem diretamente
Autor: Dennis Ross
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Internacional, p. A18

Os Estados Unidos e o Irã estão interpretando papéis programados num minueto sobre armas nucleares. Os EUA insistem em que o Conselho de Segurança da ONU advirta o Irã sobre as conseqüências de se tornar nuclear. E o Irã continua sua marcha para o desenvolvimento da energia nuclear, enquanto seu presidente declara que "estamos pouco nos lixando" para resoluções das Nações Unidas solicitando que o Irã suspenda seu enriquecimento de urânio.

Com os russos e chineses aparentemente determinados a bloquear sanções, nossos esforços na ONU prometem evoluir lentamente, enquanto o Irã segue em frente com seus planos. Se permanecermos no mesmo caminho, ficaremos com duas opções: aceitar um Irã com capacidade de produzir armas nucleares ou tomar medidas militares para conter suas ambições.

Qualquer um desses desfechos poderia ser desastroso. Se o Irã conseguir o que deseja, com toda a probabilidade teremos um Oriente Médio nuclear. Os sauditas - temendo um Irã encorajado, decidido a coagir outros e a promover a subversão xiita na Península Arábica - procurarão ter a própria capacitação nuclear, e provavelmente já fizeram um trato com o Paquistão para provê-los. E não esperem que o Egito se contente com o fato de a Arábia Saudita se tornar o único país árabe com um "dissuasor" nuclear.

Aos que acham que as regras de dissuasão nuclear que governaram as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a guerra fria também se aplicarão a um Oriente Médio nuclear, digo: não tenham tanta certeza. Primeiro, o possível número de países nucleares elevará o potencial de erros de cálculo. Segundo, com um presidente iraniano que se vê como um instrumento para acelerar a chegada do 12º imã - que é precedido na mitologia pelo equivalente ao Armagedon - não é o caso de se confortar com a idéia de que o Irã vá agir com responsabilidade. Mas a alternativa do uso da força para impedir ou postergar a nuclearização do Irã não parece muito melhor.

Para começar, não há opções militares simples ou limpas. Operações exclusivamente aéreas poderiam envolver o ataque a centenas de alvos, muitos em áreas populosas onde existe uma capacidade de defesa aérea significativa em processo de modernização pelos russos. Quanto mais baixas causarmos, mais inflamaremos o mundo islâmico.

Poderíamos conseguir a resposta, talvez, se a campanha militar provocasse baixas relativamente pequenas e conseguisse retardar o programa nuclear iraniano. Mas um cenário róseo como este pressupõe uma capacidade de retaliar relativamente limitada do Irã. Mesmo se tivermos meios de evitar que as forças aéreas e navais iranianas impeçam a navegação no Golfo Pérsico, o Irã tem outras opções para transformar qualquer esforço de eliminar sua capacidade nuclear numa guerra mais ampla.

Os iranianos podem fomentar um número muito maior de ataques insurgentes contra nossas forças no Iraque. Para eliminar o apoio a esses ataques poderíamos ser levados a agir militarmente cruzando a fronteira do Irã por terra. O Irã poderia perceber que uma escalada do conflito com os Estados Unidos seria perigosa demais, mas depois de subestimarmos os riscos que encontramos no Iraque, poderíamos ter tanta segurança sobre o que os iranianos poderiam fazer?

Se nenhum resultado de nossa política atual provavelmente for aceitável, não seria o caso de buscarmos outro caminho? É claro, mas persiste o desafio de mudar o cálculo iraniano. O Irã precisa perceber que perderá mais do que ganhará avançando na direção das armas nucleares, ou que poderá ganhar mais desistindo da iniciativa. O problema da política atual é que ela sugere custos que, ou não são críveis, ou provavelmente parecerão pequenos aos iranianos diante do que eles se vêem ganhando com a conquista da energia nuclear.

Mas, e se ameaçarmos com sanções coletivas que os iranianos considerassem pesadas? E se elas fossem combinadas com possíveis ganhos em termos de um acordo sobre energia nuclear, benefícios econômicos e entendimentos de segurança se os iranianos abandonarem o programa nuclear?

Embora se possa argumentar que os europeus estavam tentando negociar algo parecido com os iranianos, eles nunca conseguiram montar um pacote de sanções e incentivos críveis porque os Estados Unidos não fizeram claramente parte do esforço. É fato que este país se harmonizou com britânicos, franceses e alemães no segundo mandato do presidente George W. Bush. Mas um esforço sério para elevar os custos para os iranianos e oferecer-lhes possíveis ganhos jamais foi costurado.

Por que não agora? Por que o presidente não deveria procurar seus colegas britânico, francês e alemão e dizer: vamos nos unir a vocês na mesa com os iranianos, mas primeiro tratemos de acertar um amplo conjunto de sanções econômicas e políticas expressivas - não marginais - que imporemos se as negociações fracassarem. Um acordo assim também precisaria envolver um entendimento do que constituiria fracasso nas conversações e o fator para iniciar as sanções.

Os europeus sempre quiseram os americanos na mesa. Fazer um acerto prévio sobre as sanções seria o preço para nos levar até lá. Evidentemente, os Estados Unidos focariam também no que seria dado aos iranianos, mas sempre foi mais fácil o entendimento sobre benefícios, particularmente porque sanções significativas também cobrariam um preço de nós.

Sanções econômicas reais não morderiam apenas o Irã e sua capacidade de gerar receita, mas certamente fariam aumentar os preços do petróleo. Nossa disposição para aceitar esse risco numa época em que os preços altos da gasolina estão se tornando uma questão política doméstica transmitiriam um sinal muito diferente sobre nossa seriedade aos iranianos, que atualmente não temem sanções porque acham que têm o mundo sobre um barril.

Não há nenhuma garantia de que essa abordagem vá funcionar com o Irã. Este governo iraniano pode simplesmente estar determinado a ter armas nucleares. Se for assim, e se o presidente Bush estiver determinado a impedir o Irã de ter armas nucleares - como tem dito -, mesmo assim seria melhor ter tentado uma opção de negociação direta antes de recorrer ao que inevitavelmente será um uso da força difícil e confuso, novamente.