Título: Convite de Chávez irrita o governo brasileiro
Autor: Denise Chrispim Marin e Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2006, Economia & Negócios, p. B7

O Ministério das Relações Exteriores orientou um grupo de companhias brasileiras pressionadas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a compor uma missão empresarial à Bolívia a recusar o convite. Do ponto de vista do Itamaraty, a iniciativa de Chávez extrapolou os limites e essa contrariedade será claramente expressa a Caracas.

Ontem, uma fonte do gabinete do chanceler, Celso Amorim, afirmou que este não é o momento adequado para a organização de uma missão comercial à Bolívia e que, quando fosse a ocasião adequada, tal evento deveria ser feito de maneira conjunta, com empresas de outros países da América do Sul.

Em reunião ocorrida no Itamaraty no início da semana passada, representantes da Odebrecht, Camargo Corrêa e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), entre outras empresas brasileiras, pediram a Amorim uma orientação do Itamaraty sobre como deveriam atuar diante da pressão de Chávez. Amorim recebeu o relato desse convite com irritação e o considerou uma espécie de coerção, em especial às empreiteiras,, que conduzem obras de infra-estrutura na Venezuela.

O Itamaraty também considerou a atitude de Chávez como uma interferência nas ações de diplomacia comercial brasileira, o que deverá agravar a resposta do governo a Caracas.

Além disso, especialistas consideram que a iniciativa de convocar empresas brasileiras para um esforço na área de infra-estrutura da Bolívia seria uma forma de reforçar o apoio direto de Chávez ao governo Evo Morales e inflar sua pretensa liderança sul-americana. A Venezuela não conta com empreiteiras do porte das brasileiras, que venceram as maiores licitações para construções nesse país, como as novas linhas do metrô de Caracas.

A condução de missão empresarial brasileira por Chávez, a rigor, rechearia seu pacote de ajuda à Bolívia, que será anunciado por ele e por Evo sexta-feira na região do Chapare, onde estão as principais áreas de cultivo de coca no país. O pacote deverá alcançar US$ 1 bilhão, englobando projetos de construção de rodovias, a parceria com a YPFB no setor de mineração e de industrialização da coca, para a fabricação de produtos lícitos.

Em princípio, a pressão de Chávez sobre as empresas as pôs em uma espécie de beco sem saída. Todas têm interesse em preservar seu acesso às licitações controladas pelo governo venezuelano.

A reação do Itamaraty indicou que todas poderão receber respaldo diplomático para não aceitarem o convite. Mas as chances de perderem negócios na Venezuela são consideradas reais até por diplomatas brasileiros.