Título: Incra pagou indenização indevida de R$ 75 milhões
Autor: José Antonio Pedriali
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Nacional, p. A15

Perícia indicou valores menores; instituto informa que pode devolver valor

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pagou indevidamente R$ 75 milhões à empresa Rio das Cobras Florestal como indenização pelas benfeitorias de parte de duas fazendas desapropriadas em Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu (PR). A área desapropriada compreende 25 mil hectares - partes das fazendas Rio das Cobras (23,7 mil) e Pinhal Ralo (1,3 mil).

A desapropriação, em 2003, foi a maior até agora em área contínua feita pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Rio das Cobras é vizinha da Pinhal Ralo, onde, em 1997 e 1999, foram estabelecidos os assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire. Assim como a vizinha, a Rio das Cobras foi invadida pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) em 1999.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, de Porto Alegre, determinou em dezembro que a empresa - que havia sido paga com base em liminar concedida pela desembargadora Silvia Maria Goraieb - devolvesse os R$ 75 milhões, em valores atualizados. Parte do dinheiro ficou em poder do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, credor da área, que recorreu da decisão. O grupo Araupel, proprietário do local, é responsável por 15% da madeira industrializada exportada pelo Brasil.

A devolução foi determinada pela 3.ª Turma do TRF, presidida pela desembargadora Silvia, mas cujo voto foi vencido. O acórdão determinou a devolução do dinheiro num prazo de cinco dias e a realização de uma perícia das benfeitorias da fazenda - que se resumem basicamente a áreas de reflorestamento - para confirmar se estavam de acordo com a indenização.

POLÊMICA

O processo envolvendo a desapropriação da área tem gerado polêmica desde o início. Apesar de o Incra contestar a titularidade da área, de cerca de 56 mil hectares, alegando que pertence à União, seus dirigentes demonstraram desde o início, observa o juiz federal Eduardo Appio, comportamento atípico.

Appio, que atuava em Cascavel, barrou em 2004 a primeira investida do Incra para liberar os R$ 75 milhões à Araupel. A Justiça Federal foi acionada após a frustrada audiência de compra e venda para selar o acordo entre o Incra e a Araupel. O juiz rejeitou o pedido alegando que, além de o valor estar sendo contestado pelo Ministério Público, não havia o que justificasse a pressa na liberação da indenização, pois a fazenda estava ocupada pelos sem-terra havia mais de seis anos e não tinha risco de confronto.

O instituto pretendia pagar também pela terra nua, o que elevaria a indenização para R$ 136 milhões, mas recuou. O acordo com a Araupel sobre os R$ 75 milhões desconsiderou, porém, laudo preparado por 12 funcionários do Incra, em 2004, que estabeleceu como valor adequado R$ 44 milhões para a Rio das Cobras e R$ 4 milhões para a Pinhal Ralo - R$ 27 milhões a menos que o desembolsado.

"Havia enorme pressa dos diretores do Incra e da empresa para liberar os recursos", diz Appio. O instituto, disse ele, alegava que precisava pagar logo a indenização para que pudesse oficializar o assentamento de 1.200 famílias, número que foi inflacionado, segundo Appio.

O Incra informou, por sua assessoria, que "já peticionou na ação anulatória alegando que, se a perícia concluir por valor menor que R$ 75 milhões, a autarquia buscará a restituição do valor pago a mais".

Sobre o pagamento do maior valor proposto, diz que, "embora a fundação tenha indicado quatro valores, apenas o último foi destacado como o que representava a correta indenização". A Araupel não comentou.