Título: Como Medellín venceu o crime
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

Há duas semanas, enquanto São Paulo amargava a maior onda de violência de sua história, a cidade de Medellín, no passado recente sinônimo de crime e morte, celebrava. Foi o primeiro Dia das Mães de sua história sem um assassinato sequer. Mas não foi um caso isolado. Depois de atingir um pico de 381 homicídios por 100 mil habitantes em 1991, que a tornou a cidade mais perigosa do mundo, Medellín registrou, no ano passado, apenas 32,5.

Entre 1991 e 1998, esse índice veio caindo, com o desbaratamento do Cartel de Medellín. Entretanto, voltou a subir nos quatro anos seguintes, período que coincide com as negociações do então presidente Andrés Pastrana com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que receberam uma zona desmilitarizada e incrementaram as atividades de narcotráfico e seqüestro.

No ano em que o presidente Álvaro Uribe foi eleito, 2002, mataram-se 184 pessoas por 100 mil habitantes. A partir daí, o índice caiu ano após ano. Outros índices também caíram sensivelmente, como os de assaltos e seqüestros. Há quatro anos, Medellín tinha mais furtos e roubos de carros que Bogotá, que tem o dobro da frota. Hoje, tem bem menos.

O êxito é conseqüência de duas iniciativas simultâneas e complementares: um aprimoramento da ação da polícia, em coordenação com a prefeitura e o Ministério Público, e um programa de desmobilização de grupos armados e de sua reinserção gradual na sociedade.

A primeira coisa que chama a atenção em Medellín é que não há uma presença ostensiva da polícia. "Polícia na rua para quê?", perguntou um capitão da Polícia Metropolitana, quando ouviu essa observação. "Quando vai a uma diligência ou fazer uma blitz, a polícia tem que ter muito claro o que está buscando. Tem que ter informação e objetivos bem definidos."

Só há uma força policial na Colômbia, a Polícia Nacional. A metropolitana, por exemplo, é apenas uma divisão geográfica dela. A polícia judiciária também é uma divisão da Polícia Nacional. Enfim, todos os policiais colombianos estão submetidos ao mesmo comando, não havendo os conflitos e falta de comunicação entre as diferentes corporações, como existe no Brasil.

Outro problema que existe no Brasil e não na Colômbia é a limitação de tempo de um ano para os presos ficarem no isolamento total do Regime Disciplinar Diferenciado. Na Colômbia, os presos podem cumprir toda a pena na solitária dos presídios de segurança máxima - sejam 20 anos, 30 anos. Celulares não entram nem nos presídios comuns.

Mas o que se fez nos últimos anos? "Houve um trabalho integral da polícia com a prefeitura e o Ministério Público", disse ao Estado o general Orlando Paez Barón, comandante da Polícia Metropolitana de Medellín. "Algo que é muito importante, que ajuda muito, é zero de impunidade. Que os criminosos sejam presos e condenados depressa." Semana passada, a polícia lançou um desafio em Medellín: prender 12 criminosos procurados por delitos de "altíssimo impacto", como pistolagem, assaltos a banco e nas estradas. Foram oferecidos 15 milhões de pesos (R$ 15 mil) por informações que levassem à captura, com campanhas na TV, no rádio e nos jornais. "Em cinco dias, prendemos quatro. Isso tem um valor simbólico. Estamos desenhando permanentemente nossas estratégias", conta.

"Criamos muitos programas para identificar os bandos criminosos, estudar o seu organograma e sua estrutura, obter o máximo de informação sobre eles e capturá-los." Ele cita também um vigoroso trabalho de desarmamento da população e um fortalecimento da Polícia Comunitária. Com uma população de 2 milhões, Medellín tem 6.500 policiais, dos quais 280 policiais comunitários (40 mulheres). "A Polícia Comunitária sensibiliza muito em relação à cultura cidadã, visitando as escolas, os bairros", diz o general. "Trabalha-se muito também com a solução de conflitos via diálogo e conciliação."

PAZ E RECONCILIAÇÃO

Aqui, chegamos à segunda parte da história. Com base numa lei nacional de desmobilização de grupos armados, aprovada no início do governo Uribe, a prefeitura de Medellín conduz um programa chamado Paz e Reconciliação, para reinserir os ex-combatentes e criminosos comuns na sociedade. De novembro de 2003 a março deste ano, foram desmobilizadas 4.098 pessoas.

Desses, 48% eram do Bloco Cacique Nativara, um grupo de paramilitares dedicado a combater guerrilheiros e criminosos comuns, que agia como um esquadrão da morte e extorquia dinheiro de comerciantes. Outros 37% eram integrantes de gangues, que demarcavam territórios nas favelas; 9%, das Forças Armadas; 5%, outros grupos paramilitares; e 1%, guerrilheiros das Farc.

Depois de desmobilizados, os ex-combatentes e ex-criminosos passam a receber 600 mil pesos (R$ 600,00) por mês, pagos pelo programa nacional, com a condição de que freqüentem escola, oficinas de ressocialização e capacitação profissional, por no mínimo oito meses. São locais como o Centro Comunitário da Favela Moravia, que trabalha com ex-combatentes.

Ao fim, o programa os ajuda a conseguir um emprego ou a abrir seu próprio negócio. Dos mais de 4 mil participantes, 55 foram detidos por cometer delitos, 45 foram mortos e 17 expulsos por não cumprir as regras. Os outros seguem em frente. O programa custa, para o município, 23 bilhões de pesos (R$ 23 milhões) ao ano. "É menos de 1% do orçamento municipal", enfatiza o diretor, Gustavo Villegas. Cada beneficiado custa em média - incluindo a parte do governo nacional - 8,88 milhões de pesos (R$ 8.880,00) ao ano, enquanto um preso custa 10 milhões (R$ 10 mil).

Villegas conta que, a princípio, a comunidade reagiu, achando que nunca haviam feito nada por aqueles que viviam dentro da lei e que estavam premiando criminosos. Por isso, para cada ex-combatente e ex-criminoso "reinserido", a prefeitura se comprometeu a atender a quatro jovens comuns, com os mesmos benefícios.

Na Colômbia toda, de novembro de 2003 a abril deste ano, 40.095 pessoas entraram no Programa para a Reincorporação à Vida Civil de Pessoas e Grupos Levantados em Armas. Ao terminar o mandato, em agosto, o governo pretende haver desmobilizado 43 mil pessoas. Nesses três anos, o programa custou 500 bilhões de pesos (R$ 500 milhões). Nos próximos quatro, deve custar o dobro, estima Juan David Ángel, diretor do programa, subordinado ao Ministério do Interior e Justiça.

Isso porque agora vem a fase mais difícil, de inserção no mercado de trabalho. "A reincorporação tem de ser muito bem-feita, para que quem vai se desmobilizar tenha certeza de que não ficará na rua", diz Ángel.