Título: Da milícia, aos 15 anos, até o esquadrão da morte
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

O Centro Comunitário de Moravia reproduz a arquitetura da favela: um sobrado improvisado, com paredes de tijolo furado erguidas conforme o dinheiro vai entrando, a escada desajeitada dando acesso ao piso de cima, assentado sobre a laje que antes serviu de teto do térreo.

Um cenário muito parecido com as favelas brasileiras, que em Medellín se chamam comunas. No salão de cima, a psicóloga Norma Berrio, do Programa Reconciliação e Paz da prefeitura, conduz oficina sobre solução pacífica de conflitos.

Os oito ex-combatentes, todos remanescentes do grupo paramilitar Bloco Cacique Nativara, foram enredados uns aos outros com cordões nos pulsos. Sua tarefa é sair desse enrosco de maneira negociada. "O que vocês sentiram?", pergunta a psicóloga, vinculando a singela brincadeira com conflitos reais que esses homens viveram. "Desespero, vontade de sair dessa armadilha, pensei que fosse impossível", respondem. "E o que foi necessário para resolver a situação?", insiste Norma. "União, inteligência, pensar, diálogo." Terminada a oficina, um deles conta sua história ao repórter do Estado. Pulián - esse é seu nome de guerra - tem 28 anos. Ele já passou por todos os grupos armados. Aos 15 anos, entrou para a milícia, a versão urbana da guerrilha, no caso, do Exército de Libertação Nacional (ELN).

Aos 17, ingressou num "combo" - gangues que loteiam as quadras das favelas, cometem assaltos e roubos no centro e nos bairros bons, e se matam entre si na disputa territorial. Seu combo tinha de 35 a 40 membros. "Não conseguia arrumar emprego", justifica-se Pulián, que completou o ensino fundamental. Aos 19 anos, mudou de lado de novo, depois de um convite de um líder do grupo paramilitar Bloco Metrô. O grupo vendia proteção a comerciantes e atuava como esquadrão da morte nas favelas contra as milícias e os combos.

O Metrô foi absorvido pelo Bloco Cacique Nativara, também das Autodefesas Unidas da Colômbia, o nome oficial da organização paramilitar. Foi o primeiro a aceitar a desmobilização, em 2003. Pouco antes, seu pai foi morto pela guerrilha. "Eu me desmobilizei por decisão do grupo, e por minha mesmo", disse Pulián, que tem dois filhos, de 7 e 3 anos, e a mulher espera o terceiro. "Vi companheiros morrerem. A guerra não leva a nada de bom."