Título: A concentração da TV paga
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Notas e Informações, p. A3

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, por unanimidade, a fusão da Sky com a DirecTV, ficando a nova empresa com o controle de 97% do mercado de televisão por assinatura via satélite e 32% do mercado nacional de televisão paga. Mas, para evitar que tal concentração prejudique a concorrência e os consumidores, o Cade impôs uma série de restrições que deverão ser seguidas pela Sky Brasil e seus controladores, a Rede Globo e a Fox.

A legislação permite que proprietários de TVs abertas possam operar também TVs fechadas. Com isso, o legislador criou um ambiente favorável à excessiva concentração de poder, no setor. Essa tendência foi agravada pelo fato de a Rede Globo ser hegemônica em praticamente todos os Estados, por intermédio de emissoras coligadas, e ser, também, a maior produtora de conteúdo do País.

Como se não bastasse, a legislação brasileira contém outro viés que leva à concentração. Nos países onde existe real preocupação com a concorrência e a pluralidade de opiniões, as TVs fechadas são expressamente obrigadas a divulgar qualquer programação produzida por terceiros, desde que cumpram as leis nacionais e possam arcar com o preço da divulgação - o "carregamento", no jargão do setor. No Brasil existe uma forma atenuada de obrigação: a de "carregar" apenas os conteúdos dos canais transmissores localizados na sede do município. Como a Rede Globo está presente em praticamente todo o País e é a maior produtora de conteúdo do Brasil, enquanto a Fox está entre as maiores do mundo, as produtoras independentes estariam fora da programação da Sky Brasil, controlada pelas duas empresas. Além disso, as emissoras concorrentes de TV paga ficariam seriamente prejudicadas com essa forma de controle da programação.

Para evitar que a Sky Brasil ficasse com o virtual monopólio da TV paga, o Cade condicionou a fusão ao cumprimento de várias restrições, destinadas a manter o ambiente concorrencial e a proteger os assinantes.

Assim, a Sky não poderá exercer, por cinco anos, direitos de exclusividade na transmissão de jogos de futebol do Campeonato Brasileiro, da Taça Libertadores da América, da Copa Brasil e dos campeonatos estaduais do Rio e de São Paulo. Pelos próximos três anos, a Sky será obrigada a manter os canais nacionais atualmente veiculados pela DirecTV e, nesse período, as programadoras de conteúdo nacional terão direito a receber a mesma receita prevista nos contratos em vigor com a DirecTV. A Globo não poderá ter direito de veto ou decisão unilateral na compra de conteúdo nacional pela Sky - direito que era garantido por dez anos, no contrato de fusão - e a nova empresa não poderá criar cláusulas contratuais que favoreçam algumas operadoras de TV paga em detrimento de outras. Todos os contratos de fornecimento de programação em vigor serão examinados pelo Cade, que verificará se existem cláusulas que prejudicam a concorrência.

Além disso, a Globo não poderá proibir suas contratadas de realizar produções de conteúdo nacional. Cláusulas nesse sentido que já existam nos contratos em vigor terão de ser anuladas. O objetivo dessa decisão do Cade, esclarece o conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, que relatou o processo, foi incentivar a produção de conteúdo nacional na TV paga e, assim, ampliar a competição. Com esse mesmo objetivo, o Cade determinou à Sky que, em 180 dias, aumente em 20% o número de assinantes que recebem produção de conteúdo nacional - cota que deve ser mantida nos 30 meses subseqüentes.

O Cade também adotou medidas de proteção ao consumidor. A Sky Brasil deverá manter por cinco anos os preços atuais dos pacotes de programação. Esse compromisso deverá ser publicado em jornais de grande circulação, para que os Procons possam proteger os assinantes que moram em locais onde só há acesso a TV por assinatura, via satélite.

Nas próximas semanas, o Cade deverá julgar o processo em que a NEO TV, uma operadora que reúne 54 operadoras de TV por assinatura, acusa a Net - controlada pela Globo - de abuso do poder econômico na distribuição dos canais Sport TV1 e 2 e Première Esportes. Se, como tudo indica, a decisão seguir a mesma linha do julgamento da fusão Sky-DirecTV, o Cade estará aparando as falhas de uma legislação que permitiu o surgimento de um virtual monopólio na televisão brasileira.