Título: Discreta, Ellen Gracie tenta despolitizar STF
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Nacional, p. A16

Depois de uma fase de três anos sob o comando de presidentes cuja atuação foi marcada pelo caráter político e pelo espírito midiático, o Supremo Tribunal Federal (STF) experimenta a novidade: uma administração discreta, com foco mais em decisões de caráter técnico.

Apesar de ter assumido oficialmente o comando do STF em 27 de abril, a ministra Ellen Gracie Northfleet está no cargo desde o fim de março, quando o então presidente, Nelson Jobim, aposentou-se para tentar um retorno à vida política.

Nesse curto período, ela já deixou claro que não quer ficar marcada na história apenas como a primeira mulher a integrar o STF e a comandar o Judiciário. Em contraste com Jobim e com o presidente anterior, Maurício Corrêa, ela vem atuando para despolitizar o tribunal. As visitas de parlamentares e ministros de Estado já não são mais tão freqüentes. Além disso, Ellen, ao contrário de seu antecessor, dificilmente concede liminares ou manda soltar presos.

Na quarta-feira, ela determinou que todos os presos pela Operação Sanguessuga, soltos na véspera, voltassem para a carceragem. Na ocasião, havia no Congresso um movimento para abafar o episódio e para que os parlamentares suspeitos de envolvimento com a compra fraudulenta de ambulâncias não fossem investigados por seus pares.

Por causa de decisões como essa, a ministra tem causado surpresa nos meios jurídicos e até entre seus colegas de tribunal. Na área administrativa, ela tem projetos arrojados, como o que propõe a informatização dos processos judiciais. Se for de fato executado, esse projeto - que precisa ser aprovado pelo Congresso - deverá reduzir em cerca de 30% o volume de papel circulante nos gabinetes do Supremo.

Antes de assumir a presidência do STF, Ellen era uma espécie de atração da corte. Única mulher entre os 11 integrantes do tribunal, ela era freqüentemente convidada para viagens internacionais a fim de representar institucionalmente o Supremo. Contida, evita entrar em discussões. Às vésperas de sua posse, Ellen enfrentou em silêncio comentários machistas durante sabatina a que teve de se submeter na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado antes de assumir a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo do Judiciário.

E estão justamente no CNJ os principais projetos administrativos de Ellen Gracie. Ela criou imediatamente após os ataques do PCC um grupo de trabalho no CNJ para elaborar um banco de dados sobre a população carcerária do Brasil. O objetivo é elaborar um raio x dos presidiários, com perfis individuais. A expectativa é que o banco de dados seja implantado já em junho.

Apesar do arrojo administrativo, Ellen é conservadora em suas decisões na área de costumes. Em 2005, ela deu um dos votos que derrubaram a liminar que permitia a antecipação terapêutica de partos de fetos com anencefalia. Por isso, ela é cobrada até hoje por grupos feministas. Mas a expectativa é que esse perfil mais liberal seja preenchido pela ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, nomeada para o STF na sexta-feira pelo presidente Lula e que deverá tomar posse em junho.