Título: País não aproveitou lições que a crise ofereceu
Autor: João Domingos, Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Nacional, p. A8

Impunidade dos culpados e falta de grandeza dos governantes alimentam balanço pessimista

O senador gaúcho Pedro Simon (PMDB) chama de tragédia. O cientista político Bolívar Lamounier classifica como lamentável. Para o professor Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um período inesquecível. Desde que, há um ano, começou a crise do mensalão, uma teia de corrupção continua a ser desvendada. Os últimos 12 meses foram marcados por muitas denúncias e poucas punições.

A crise derrubou pelo menos 60 autoridades, servidores federais, dirigentes partidários e parlamentares, a grande maioria ligada ao PT. Quarenta foram denunciados pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza.

A sensação da maioria das pessoas ouvidas pelo Estado, porém, é de que o País não aprendeu a lição. "O saldo, que antes esperava ser positivo, foi negativo. Dois fatos me fizeram mais pessimista: Lula nunca fez um pronunciamento digno de chefe de Estado e o comportamento discutível, para dizer o mínimo, do Legislativo e do Judiciário", diz Lamounier.

Simon também só vê motivos para desânimo. "O Brasil vive sua hora mais triste na moral e na ética. Infelizmente, tudo que o deputado Roberto Jefferson denunciou ficou provado, essa é a dolorosa verdade. Mas o governo enterrou a cabeça no chão e não enxerga nada. Até agora, não vi nenhuma conseqüência prática ou medida positiva."

O máximo de mudança na qual se aposta é um cuidado maior com as contas das campanhas, evitando o caixa 2 usado corriqueiramente pelos partidos. Há quem acredite também em renovação do Congresso.

O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), aposta que o PT será mais prejudicado que os aliados PL, PP e PTB: "O partido foi muito danificado. Muito mais do que a candidatura Lula. O PT vai eleger um ou dois governadores, três ou quatro senadores e 50 deputados." O partido tem hoje 11 senadores, 81 deputados e 3 governadores.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) lembra que, na internet, se percebem dois movimentos: pelo voto nulo e contra o voto em quem já tem mandato. Embora ressalte que "o escândalo não está todo conhecido", Gabeira vê um ponto positivo: "A sociedade vai olhar com mais desconfiança as campanhas milionárias e compreenderá melhor as campanhas modestas."

Outro que aposta na renovação do Congresso é o presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Flávio Borges D'Urso. "Tenho certeza da renovação porque é a arma que o povo tem e ganha dimensão muito maior diante da crise e da indignação."

A "derrocada do PT" também é o ponto marcante da crise, avalia Wanderley Reis. O cientista político está descrente de que a campanha será mais rigorosa com as finanças. "Duvido de diferenças nesta eleição, não há razão para esperar mudanças. Apenas os partidos vão ser mais cuidadosos", aposta. Com o desgaste do PT, comenta o pesquisador, "prevaleceu a imagem de Lula".

Melhor conhecer as "chagas" do que ocultá-las, opina o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Odilo Scherer. "O fato de se colocar o dedo na ferida é positivo. Não é a primeira vez que há corrupção no Brasil. Desta vez, porém, houve o mérito de se encarar, mesmo com relutância", disse. "Foi um ano de escola para o Brasil, que pode deixar sinal positivo no sentido de crescimento da consciência política."