Título: Faltam 140 dias
Autor: Pedro S. Malan
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Espaço Aberto, p. A2

"Fatos não deixam de existir porque são ignorados." A pertinente observação é de Aldous Huxley, citada em belo livro recém-lançado e que deveria merecer a atenção de todos os que estão seriamente interessados no Brasil e em seu futuro. Quanto mais não seja, porque, como disse Woody Allen, também citado no mesmo livro: "O futuro me preocupa porque é onde penso passar o resto de minha vida." E, por isso, cantava Raul Seixas: "Não posso ficar aí parado."

Rompendo o Marasmo é exatamente o título do excelente livro de Fabio Giambiagi e Armando Castellar, que representa inestimável contribuição ao debate responsável que, idealmente, um país como o nosso deveria ter num ano de eleições tão importantes para o nosso futuro, e para as quais faltam 140 dias.

É sabido que o tempo da política, assim como o da guerra, é distinto do tempo cronológico. Nestes campos, dias podem valer semanas, semanas podem valer meses e meses podem valer anos. O fato é que nestes próximos quatro ou cinco meses estaremos decidindo pelo menos os próximos quatro anos. Mas, convenhamos, os termos do debate, tanto político quanto econômico, tal como estão colocados hoje, seja pelo governo, seja pela oposição, ainda deixam muito a desejar.

No que diz respeito ao governo, e ao PT, estes parecem ter definido claramente a sua estratégia, se é que podemos chamar assim a férrea determinação de reeleger o atual presidente a qualquer preço, cientes de que fora da reeleição não há salvação para o PT, hoje pálida sombra daquilo que pensava ser como vontade e representação.

O presidente Lula, aparentemente, vem tendo êxito junto a expressiva parcela do eleitorado na sua tentativa de se dissociar do PT, preservar sua comunicação direta com as massas e a estas passar a idéia de que não teve, não tem e não terá absolutamente nada que ver, nem de longe, com os escândalos que há um ano indignam a Nação e destroçaram a cúpula do partido. Apesar de tudo, a estratégia do PT é considerar tais eventos uma página virada e, a despeito do devastador relatório do procurador-geral da República, uma mera conspiração das "elites", da "direita" e da "grande mídia" contra o que considera o extraordinário sucesso do governo na área econômico-social e no campo da política externa, especialmente na América Latina e na África - prioridades definidas desde o início deste governo.

Sobre economia, nunca será demais repetir que o desempenho brasileiro no quadriênio 2003-2006 é explicado por três fatores básicos: um contexto internacional extraordinariamente favorável (só comparável, em crescimento mundial, ao quadriênio 1970-1973), uma política macroeconômica não-petista e uma herança não-maldita de avanços institucionais e mudanças estruturais alcançados na vigência de administrações anteriores. Sobre a área social, o grande programa do governo - o Bolsa-Família - é, como sabem os minimamente informados, uma junção e continuação, ampliada, de programas sociais do governo anterior, como o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação e o Vale-Gás, agora apresentados como um programa que nunca antes teria existido na História deste país.

Deixo ao leitor opinar sobre a recente observação presidencial acerca da saúde em seu governo: "Acho que não está longe de a gente atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país." Sobre política externa e seus resultados na América Latina e na África, também deixo ao leitor opinar, à luz dos eventos, vexames e trapalhadas dos últimos dias. Mas o fato é que, nesta área, o Brasil parece estar colhendo o que vem plantando desde 2003, em termos de sua política externa "compañera".

No que diz respeito à oposição (ou melhor, às oposições), ainda não existe um discurso afinado sobre o futuro. Não se trata tanto da velha demanda por um "programa de governo", mas de claras definições, não-genéricas, sobre a natureza dos desafios a enfrentar e das prioridades da hora e para o próximo quadriênio - de maneira que possam ser percebidas pelo eleitor como algo que lhe diga respeito, que para ele faça sentido, que o ajude a avaliar e refletir sobre sua circunstância, sua comunidade, seu país, seu mundo e seu futuro.

Um tema central, hoje verdadeira unanimidade nacional, é a questão da criação das condições para um crescimento econômico sustentado a taxas mais elevadas que as que caracterizaram os últimos 25 anos. Disto depende o crescimento do emprego e da renda e a melhoria das condições de vida da população.

Não deveria ser impossível apresentar ao eleitorado uma visão mais ou menos coerente sobre o muito que há por fazer para tentar assegurar esse objetivo. Que exige a consolidação de avanços na área macro, uma visão fiscal de médio e longo prazos, além de avanços adicionais nas áreas micro, regulatória, social e de reformas.

Não é fácil fazê-lo. Nunca foi e nunca será, mas o debate talvez pudesse ajudar a separar discussões e propostas sérias de charlatanismos. A distinguir ações efetivas de voluntarismos que se dissolvem no ar. A avaliar a consistência dos IGPPrs, como descreveu Elio Gaspari (citando outro jornalista) os índices gerais de promessas presidenciais, nas suas versões A, de ampliadas, e E, de expurgadas, de promessas não cumpridas ou simplesmente esquecidas, porque não eram mesmo destinadas a sobreviver ao curto espaço de uma campanha.

O importante é que o foco seja não no passado (o último governo ou os últimos 500 anos), mas o futuro. E o que é o futuro de um país, deste ou de qualquer outro, senão o futuro de suas crianças? Este, como vem pregando com eloqüência, há anos, José Márcio Camargo, deveria ser o grande tema, o foco central de um programa de investimentos voltado para um futuro melhor. Um tema de estadista. Um tema ao qual o Brasil ainda não dedicou a atenção concentrada que seu desenvolvimento econômico e social exige.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso