Título: 'Saída da Petrobrás seria desastrosa'
Autor: Joaquim Ibarz
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Economia & Negócios, p. B5

'Vai saber se a nacionalização não foi acertada, porque Lula e Kirchner deram a sua aprovação rapidamente'

Rubén Costas, governador de Santa Cruz, o departamento mais extenso e rico da Bolívia, tem a Catalunha como referência em sua luta pela autonomia. "Sempre dizem que as autonomias são para dividir e atomizar o país; é o contrário: o centralismo é o maior perigo para a unidade da Bolívia", assinala o criador do movimento cívico que transformou o Oriente do país andino.

Costas é a única autoridade que representa um certo contrapoder ao presidente Evo Morales, que, em poucos meses - seguindo a rota traçada na Venezuela -, está açambarcando todas as instituições. Ele se opõe à nacionalização do gás e do petróleo e não quer perder investimentos da Petrobrás ou da Repsol. "Seria desastroso", diz

O governador recebeu o La Vanguardia em seu escritório na prefeitura de Santa Cruz de la Sierra, a moderna capital que em poucos anos experimentou um pujante desenvolvimento baseado na indústria agropecuária e na exploração dos hidrocarbonetos.

Como primeiro governador eleito pelo povo, Costas teve grande autoridade moral para impor a realização, em 2 de julho, do referendo sobre a autonomia da região, simultaneamente às eleições para a Constituinte. Com mobilizações, marchas e protestos que chegaram a reunir 350 mil pessoas, conseguiu que La Paz atendesse, pela primeira vez, às reivindicações do movimento autonomista.

Aos 50 anos, Costas se converteu na cabeça visível da exigência de autonomia do Oriente boliviano. Nos dias quentes da queda do ex-presidente Carlos Mesa, como um dos líderes do Comitê Cívico, ele chegou a ameaçar com a secessão do departamento se as suas reclamações não fossem atendidas.

Quando esteve à frente da Confederação dos Pecuaristas da Bolívia, da Associação de Produtores de Leite e do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, dirigiu duas assembléias populares que puseram em xeque o cimento do antigo e excludente centralismo boliviano.

O que Santa Cruz espera da autonomia? A Bolívia é o país mais centralista da América e, com a autonomia, aspiramos a avançar para uma democracia melhor e eleger as autoridades. Eles nos satanizam, nos tacham de xenófobos. Que xenofobia pode haver quando a cada ano chegam cerca de 80 mil emigrantes da zona andina carregados de pobreza a Santa Cruz? Dizem que a autonomia é para dividir e atomizar o país. É o contrário. Quando há povos excluídos, surgem ressentimentos e luta reivindicatória. Isso é perigoso para a unidade da Bolívia. Nossa pobreza é produto do centralismo e da corrupção que trouxeram tanta injustiça social.

O sr. considera que a Catalunha é o exemplo a ser seguido? Acompanhamos com muito interesse o modelo de autonomia catalão, é um ponto de referência. Estamos numa situação tão incipiente que, na verdade, o que pedimos é uma descentralização profunda. Na medida em que se avança nos processos autonômicos, existem posições no sentido de buscar a autodeterminação e uma liberdade plena.

A democracia boliviana está ameaçada pela crescente ingerência do presidente venezuelano Hugo Chávez no país? Evo pretende perpetuar-se no poder com a Assembléia Constituinte? A ingerência de Chávez na Bolívia é, de fato, uma ameaça para a nossa democracia. Tal como ocorreu na Venezuela, preocupa-nos que a Constituinte possa modificar o sistema democrático e uma forma de vida. No Oriente e em grande parte do sul do país, defendemos a economia de mercado, produtiva. Não se combate a pobreza com totalitarismos, mas criando riqueza. É preciso nivelar por cima, criando postos de trabalho e abrindo-se para o mundo. O que estamos vendo na Bolívia é a tomada do poder, das instituições, dos tribunais. Não sei que importância vai ter a nova Constituição quando o governo está açambarcando todos os poderes. E aí teremos esse totalitarismo disfarçado de democracia.

Para onde conduz a aliança de Evo com Chávez? Pode haver um duplo discurso. Que se fale de democracia quando às claras se vêem grupos mais radicais. Há sintomas de que este governo está caminhando para um regime totalitário, com uma democracia parecida com a da Venezuela. Eles se atribuem a defesa da parte social, quando julgam mais importante a tomada do poder, com um objetivo claro. É aí que existe a diferença de conceitos, vivências e sentimentos. Nós acreditamos em democracia com justiça social.

Aumentou a presença cubana e venezuelana no país? De fato, a cada dia há mais venezuelanos e cubanos em Santa Cruz. Entraram na Bolívia 675 venezuelanos. Há uma ligação crescente entre Bolívia, Cuba e Venezuela, que responde a um plano de convencimento e catequização estabelecido. É um modelo muito parecido ao que segue a Venezuela. O presidente Evo goza de grande popularidade e, neste momento, vai ser difícil frear isto. Mais ainda com alguns partidos desarticulados. A forma que vão restringindo os princípios de liberdade e tomando as instituições fragmenta uma possível resistência. Não há oportunidade de uma oposição mais coerente. Em Santa Cruz, existe um sentimento de desgosto e desalento ao constatar que caminhamos para uma situação muito comprometida.

Evo Morales tacha de conspirador os que o criticam. Não há conspiração. Vivemos num sistema democrático. É infantil tachar de conspirador quem não está de acordo com ele e louvar quem o elogia. A Bolívia recebeu a nacionalização do gás com bons augúrios, mas há quem discorde. Como política de Estado, não podemos seguir um vaivém de estatismo e neoliberalismo. Tivemos um monopólio de estatismo e centralismo que produziu burocracia, pobreza, desperdício e grande corrupção. Depois, caímos em um neoliberalismo canibalesco, que trouxe mais desigualdade, injustiça social, injustiça. Tomara que não voltemos a um estatismo centralista. Devemos buscar um médio prazo com consciência social e defesa de nossos recursos naturais, sem desvalorizar o investimento privado, que cria empregos e riqueza.

Como a Bolívia seria afetada se a Repsol e a Petrobrás deixassem de investir no país? Seria desastroso em todos os sentidos. Não se pode saber se essa nacionalização tem apenas fins políticos e populistas. Vai saber se a nacionalização da Petrobrás não foi acertada, porque os presidentes do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, deram rapidamente a sua aprovação.