Título: Cenário externo impõe reforço fiscal e monetário
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Economia & Negócios, p. B1

O "choque do bem" pode estar se esgotando. Depois de três anos favorecida por uma conjuntura internacional extremamente favorável, a economia brasileira foi atingida nesta semana pelos primeiros sinais de que tempos mais difíceis podem surgir pela frente. Desde o início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, uma rara combinação de juros internacionais extremamente baixos e preços de commodities em alta permitiu que o Brasil realizasse uma espetacular virada nas suas contas externas, duplicando as exportações, alcançando superávits comerciais de mais de US$ 40 bilhões, acumulando reservas superiores a US$ 60 bilhões e zerando a dívida externa líquida do governo central.

Agora, porém, a inflação nas economias desenvolvidas deu sinais de vida, depois de muitos anos em níveis baixíssimos, e os principais bancos centrais do mundo aumentam suas taxas básicas (ou preparam-se para isso, no caso do japonês), fechando as torneiras da liquidez que inunda o mercado financeiro global. Um cenário de juros mais altos e menor crescimento mundial é menos favorável ao Brasil, e a forma intensa com a qual a turbulência internacional atingiu o País esta semana é sinal de que a economia nacional ainda é vulnerável.

Os analistas, porém, consideram que o País está melhor equipado para resistir às turbulências. "O Brasil sempre cresce mais quando a economia mundial vai melhor e menos quando vai pior, mas agora está muito mais preparado para uma situação mais dura no exterior", diz José Alexandre Scheinkman, economista brasileiro da Universidade de Princeton.

BONANÇA

O fortalecimento da economia brasileira deriva justamente do bom aproveitamento da bonança internacional, que tornou possível a espetacular melhora nas contas externas. No lado fiscal, porém, o progresso foi muito mais lento e a dívida pública ainda preocupa. Nesta semana, foi exatamente a dificuldade de investidores estrangeiros de se livrar de NTNs-B, títulos do Tesouro indexados ao IPCA, que produziu os momentos de maior tensão e levou a cotação do dólar para R$ 2,40.

Os economistas e profissionais do mercado financeiro consideram que, caso se confirme um cenário internacional menos favorável nas próximas semanas e meses, os maiores desafios para o Brasil serão na área fiscal e na política monetária. As duas frentes, aliás, estão interligadas, na visão de Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimento e ex-presidente do Banco Central (BC). Para ele, a reação ideal à turbulência seria o reforço da política fiscal, que tranqüilizaria o mercado e permitiria que o BC mantivesse a trajetória de cortes da Selic, a taxa básica de juros.

Uma conseqüência imediata da agitação dos mercados foi tornar mais difícil a decisão sobre a Selic por parte do Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne esta semana. "Talvez fosse sábio reduzir um pouco menos do que as pessoas esperam, mas eu ficaria desapontado se fosse só um corte simbólico", diz John Williamson, do Instituto de Economia Internacional, em Washington, um observador da economia brasileira. Nem os otimistas militantes ousam esperar uma nova queda de 0,75 ponto porcentual.

Sérgio Werlang, diretor-executivo do Banco Itaú e ex-diretor do BC, prefere que o BC não seja "excessivamente defensivo" no corte da Selic. Ele acha que, se houver aumentos de gasolina e diesel este ano, a inflação pode ficar ligeiramente acima da meta (4,5%). Se o BC fizer questão de não ultrapassá-la e reduzir muito o ritmo de queda da Selic, Werlang teme que a economia tenha um crescimento decepcionante, o câmbio volte a se valorizar e a redução gradual da relação dívida pública/ PIB continue estancada.

O diretor do Itaú faz parte da corrente mais tranqüila em relação ao cenário internacional. Ele acha que a alta das commodities é uma mudança estrutural por causa do crescimento da China, e não conseqüência inflacionária da liquidez global. "O aperto monetário (internacional) vai acontecer, mas não será tão forte", diz, prevendo que o real permanecerá um pouco mais desvalorizado.