Título: 'Turbulência no mercado é passageira'
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

A volatilidade não veio para ficar. Ao contrário do que dizem muitos analistas, que pintam o atual cenário com tintas pessimistas, Gray Newman, diretor-gerente do banco Morgan Stanley em Nova York e economista sênior para América Latina, acredita que a turbulência será passageira. "Não ficaria surpreso se o dólar voltasse ao patamar dos R$ 2,10 nos próximos dois ou três meses, quando as preocupações mundiais diminuírem", diz Newman. Segundo o economista, está ocorrendo uma certa redução da exposição ao risco dos países emergentes. Mas não há motivos para os investidores ficarem longe de países como o Brasil por muito tempo. Abaixo, trechos da entrevista que Newman concedeu ao Estado, de Nova York.

O sr. acha que as turbulências atuais refletem uma aversão ao risco duradoura ou só uma correção?

Muito do que está acontecendo é realização de lucros, porque as bolsas de valores dos países emergentes subiram muito. A Bovespa subiu 490% entre o início de 2003 e 1º de maio deste ano, em dólares; a bolsa argentina subiu 490%, a mexicana, 220%, e a da Colômbia, mais de 700%. É importante pôr a queda dos últimos dias no contexto dessa magnitude de valorização. Certamente, há redução de exposição a risco e pode haver queda nos preços dos ativos mais arriscados, mas acho que está tudo muito mais relacionado à grande valorização das bolsas dos emergentes. A valorização do real é conseqüência direta dos grandes fluxos comerciais, e a moeda brasileira caiu recentemente apenas em "solidariedade" às turbulências dos mercados de ações. Temos um fenômeno puramente financeiro, não é fruto de incertezas em relação aos fundamentos econômicos.

Apesar de ser um fenômeno que não é resultado de fragilidades econômicas, essa turbulência pode durar mais do que imaginamos?

A volatilidade começou muito repentinamente, desencadeada por preocupações em relação a índices de preços nos Estados Unidos. Da mesma forma, pode acabar de uma hora para outra. Eu vejo um mundo onde o núcleo da inflação dos EUA está ligeiramente acima de 2%, 2,5%; na Europa, é metade disso e no Japão fica está entre 0% e 0,5%. Esse não é um mundo que me causa muitas preocupações.

Como essa volatilidade pode afetar o Brasil?

A boa notícia é que o Brasil já captou a grande parte dos recursos de que necessitava para os anos de 2006 e 2007. Além disso, houve uma grande redução na dívida externa, portanto, financiamento não é um problema. Agora, caso a volatilidade continue, a pressão do câmbio vai influenciar a política monetária do Banco Central. O câmbio pode aumentar as expectativas de inflação. Mas, por enquanto, não vejo motivo para preocupação. No segundo semestre do ano passado, o dólar ficou em uma média de R$ 2,30 ou mais, portanto, não há muita diferença do câmbio atual.

O real a R$ 2,10 está sobrevalorizado?

Não acho que o real esteja sobrevalorizado por causa da forte demanda internacional por exportações brasileiras. Agora, se a demanda global realmente desacelerar, a taxa de câmbio precisaria se ajustar. Mas eu não acredito em uma grande desaceleração na economia mundial neste ano. Não ficaria surpreso se o dólar voltasse para o patamar dos R$ 2,10 nos próximos dois ou três meses, quando as preocupações mundiais diminuírem.

A taxa de câmbio está prejudicando as exportações brasileiras?

No ano passado, o volume de exportações de manufaturados ficou estagnado (embora o valor, não, por causa das altas de preços). Mas não vimos nenhuma grande desaceleração. Eu fiquei surpreso, achei que as exportações seriam mais afetadas pelo câmbio. E acho que serão. Mas, ao contrário de muitos analistas, eu não acho que o Brasil precise manter um superávit em conta corrente. Acho que as oportunidades do Brasil deveriam resultar em um déficit em conta corrente.

Nós deveríamos estar importando poupança?

Exatamente. O papel de um país como o Brasil é ser um importador líquido de poupança, e não exportador.

Mas muitos economistas apontam para o superávit em conta corrente como nossa "proteção" contra as turbulências externas....dizem, por exemplo, que a Turquia, por ter um déficit em conta corrente, está bem mais vulnerável....

É tudo uma questão de magnitude. Se você tem um déficit em conta corrente de mais de 4% do PIB, lembrando da experiência do Brasil em 2001, Chile em 1998 ou México em 1994, há motivos para preocupação. Mas, se houver um déficit em conta corrente pequeno e passível de financiamento, não me preocupo. A melhor proteção é ter um bom histórico em política fiscal e monetária. Manter um alto nível de reservas e aprofundar o mercado financeiro doméstico também ajudam. A redução da dívida externa de curto prazo e o aumento da parcela de dívida pré-fixada vão na direção certa. mas o País ainda tem grande parte de sua dívida atrelada à Selic, o que a torna vulnerável; e a piora da situação fiscal, principalmente os gastos da Previdência, me preocupa.