Título: 'Comida vai primeiro para os meninos'
Autor: Ernesto Batista
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Nacional, p. A7

Doméstica Andréa Araújo faz parte dos 18% dos moradores do Maranhão que passam fome

A doméstica Andréa Pires Araújo, de 32 anos, e a dona de casa Joseane Silva, de 24, vivem diariamente o mesmo drama: evitar que os filhos passem fome. Suas famílias fazem parte dos 18% da população maranhense que vive em situação de insegurança alimentar grave.

As duas moram em palafitas com menos de seis metros quadrados sobre o mangue do Rio Anil - um curso d'água que cruza São Luís - e têm renda familiar inferior a R$ 150 mensais.

Segundo Andréa, sem ajuda de vizinhos, ela e os três filhos passariam fome. Mesmo assim, não conseguem fazer as 3 refeições diariamente. Desempregada, a doméstica perdeu peso desde que o marido a abandonou, quando descobriu que está grávida do quarto filho.

"Já cheguei a ficar 3 dias sem comer recentemente", diz Andréa. "Toda a comida que consigo vai primeiro para os meninos. Se sobrar, como também."

Situação parecida vive Joseane. Sem emprego e com o marido preso, ela também tem dificuldade de comprar comida para ela e os dois filhos. "O mais velho ainda passa um pouco melhor porque vai para a creche-escola e lá recebe a merenda."

Ontem, as duas famílias quase não tinham o que comer. Joseane serviu a última refeição disponível na dispensa - um punhado de arroz, um pouco de feijão e dois ovos. Além dos filhos e dela própria, a comida tinha de alimentar o sogro e um cunhado adolescente. "Só vamos ter comida de novo quando meu sogro conseguir um bico. Até lá, vou contar com o apoio dos vizinhos", comentou Joseane.

Em pior situação, Andréa enviou os dois filhos para almoçar na casa de uma ex-cunhada e se alimentou apenas de um pequeno peixe que conseguiu pescar no mangue e um pouco de farinha de mandioca. "É a única refeição que vou fazer hoje. Agora tenho de pensar em como vou fazer amanhã. A maior angústia é pensar que meus filhos não vão ter o que comer", disse.

"Quando passei fome senti o corpo tremer e dor na barriga no primeiro dia, mas depois a gente acostuma. O difícil é vencer a apatia. Não se sabe o que fazer. Fica difícil até pensar. Quando a comida chega a gente parece bicho. Come sem pensar muito", descreve Andréa, que perdeu 17 quilos na gravidez.