Título: `Não podemos interferir na realidade¿
Autor: Robson Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2006, Nacional, p. A7

Eduardo Pereira Nunes, presidente do IBGE desde 2003, diz que o Brasil está bem servido de dados estatísticos. Em entrevista ao Estado, ele rebate críticas a metodologias utilizadas pelo órgão.

É possível ser independente quando se tem a responsabilidade de produzir estatísticas e estudos oficiais?

Não só é possível, mas também necessário. Basta lembrar que o Censo Demográfico de 1970, divulgado no auge do chamado milagre econômico brasileiro e da ditadura militar, foi o primeiro instrumento a mostrar que a renda no Brasil era extremamente concentrada nas mãos de poucos e que era um erro pensar o País sob o ponto de vista meramente econômico. Depois, em 74, fizemos o Estudo Nacional de Despesa Alimentar, com informações antropométricas que revelaram padrões de forte desnutrição na população, principalmente no Norte e Nordeste. Hoje, com a liberdade de imprensa, temos mais facilidades para divulgar essas informações, mas a independência do órgão é a mesma.

Essa maior divulgação aumenta a responsabilidade do IBGE?

Eu diria que a divulgação e o espaço que temos recebido na mídia ajudam a pressionar mais os responsáveis pela adoção das medidas que permitam corrigir os problemas detectados nas pesquisas. Com isso cumprimos nossa missão, que é retratar o Brasil para que cada um, incluindo a própria sociedade, exerça o seu papel de transformador da realidade.

De vez em quando surgem algumas polêmicas com os números divulgados pelo IBGE. Por que?

Não temos a pretensão de sermos donos da verdade, a nossa pretensão é ser transparente em nossos métodos e quanto mais transparente mais ficamos sujeitos à crítica. Algumas são construtivas e servem para nos ajudar a melhorar nossos métodos. Outras, eu diria que são defensivistas, fruto de visões diferentes sobre a mesma realidade. É assim em todo o mundo.

Recentemente, a pesquisa sobre o número de índios existentes no Brasil também provocou mais dúvidas do que explicações.

O IBGE não pode interferir na realidade. Sempre seguimos padrões e recomendações internacionais. No caso dos índios medimos o número de indivíduos que se autodeclaram índios e o IBGE tem a obrigação de respeitar tal declaração. O que o IBGE mostrou é que cerca de 700 mil pessoas se autodeclararam índios. Em 90, o número era muito menor, mas isso não significa dizer que houve uma explosão demográfica na população indígena. Há uma explosão de consciência. Uma população que cada vez mais se identifica com suas origens. E isso diz respeito também à população negra.

Em termos internacionais, o Brasil está bem servido de números?

Absolutamente. O IBGE é membro da Comissão de Estatísticas das Nações Unidas. Nas instâncias internacionais onde se discutem metodologias estatísticas, o IBGE está presente em praticamente todas e de forma efetiva.