Título: A interminável novela do lixo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Denúncias de corrupção e irregularidades no setor de coleta, varrição e destinação do lixo urbano de São Paulo têm marcado todas as administrações. Na de Celso Pitta, referiam-se a pagamentos de serviços não prestados. Na de Marta Suplicy, eram sobre a licitação para prestação dos serviços de coleta por 20 anos, a custos que ultrapassaram R$ 20 bilhões, feita no fim do governo. Na campanha eleitoral de 2004, o candidato José Serra explorou o fato de o compromisso de Marta Suplicy de acabar com o cartel do lixo não ter sido honrado. "Na varrição de ruas, o que tem de corrupção comprovada não está escrito", comentou Serra, na época.

Na atual administração, que já tem 16 meses, dois contratos de emergência para os mesmos serviços de varrição foram firmados com as mesmas oito empresas que, em 2002, haviam sido contratadas por Marta Suplicy.

A demora do governo Serra/Kassab para realizar nova licitação levou o Ministério Público Estadual (MPE) a suspeitar de "emergências fabricadas" e a exigir que as empresas contratadas emergencialmente - em 7 de abril e 10 de outubro - sejam substituídas até o fim de junho.Três das oito empresas estão sob investigação, acusadas de não executar todos os serviços firmados em contrato e de terem dívidas com o INSS, o que deveria impedi-las de serem contratadas emergencialmente. Além disso, a Promotoria da Cidadania defende o rodízio entre empresas.

Essa demora foi provocada, primeiro, pela intenção de José Serra de cumprir a promessa de, na nova licitação, unificar os serviços de coleta e varrição, encerrando a polêmica em torno da maior concessão realizada pelo governo petista. Não conseguiu apoio dos empresários.

Em segundo lugar, o lançamento do edital da licitação para os serviços de varrição foi contestado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), que acatou argumento de uma empresa eliminada de que os critérios feriam a igualdade de condições. Exigia-se que as empresas que se candidatassem indicassem onde fariam o aterro para os resíduos. A companhia eliminada alegou que isso deveria ser função da Prefeitura. Pelo mesmo motivo, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) foi à Justiça e também barrou o processo. A Prefeitura recorreu, o edital foi modificado, mas até hoje ainda não recebeu novo parecer do tribunal.

Nesse meio tempo, os dois contratos de emergência foram assinados, o que levou o MPE a determinar abertura de inquérito policial para investigar os dois primeiros secretários que assumiram a Secretaria de Serviços no início da administração Serra - Maria Helena Orth e Andrea Matarazzo.

No início do governo Marta Suplicy, na tentativa de acabar com o chamado "cartel do lixo" a administração petista substituiu as grandes empresas que respondiam pela coleta e varrição por dezenas de pequenas companhias, responsáveis por vários lotes em que foi dividida a cidade. Meses depois, outra série de escândalos ocorreu e as grandes voltaram a atuar por meio de contratos emergenciais. Especialistas em limpeza pública começaram, então, a opinar que o melhor seria implementar concessões por meio de contratos que exigissem a modernização dos serviços e a melhoria da qualidade.

Na licitação conduzida pela administração passada, em 2004, coleta seletiva, coleta mecânica, aterros de propriedade dos consórcios, serviços nas favelas e uma série de outras exigências foram colocadas no edital, e só as grandes empresas se apresentaram com capacidade para atender às exigências. É utopia do MPE pensar em rodízio de empresas, numa atividade que exige pessoal treinado, investimentos em frotas de caminhões e numa série de equipamentos, para atender a uma cidade que produz milhares de toneladas de lixo por dia. São poucas as empresas no mundo capazes de atender São Paulo. Fiscalização rigorosa e honesta do cumprimento dos contratos, por parte da Prefeitura, em concessões que visem exclusivamente ao interesse público, são as soluções para esse eterno problema.