Título: A vantagem de estar preso
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Notas & Informações, p. A3

A mesma força demonstrada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), no desencadeamento simultâneo de rebeliões em 73 presídios de todo o Estado, paralelamente a atentados a quartéis, delegacias policiais, fóruns, agências bancárias, estações de metrô, além de incêndio de dezenas de ônibus e o assassinato de policiais em serviço ou de folga - deixando o trágico saldo de mais de uma centena de mortos e São Paulo em estado de pânico -, foi revelada na ordem de suspensão das rebeliões e dos atentados, em razão de acordo obtido em negociação com as autoridades.

É compreensível que as autoridades paulistas neguem acertos entre o líder maior do "partido" delinqüencial, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, três representantes do governo (um coronel da PM, um delegado e um corregedor) e uma advogada, nas dependências do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, tendo em vista a cessação das hostilidades - verdadeiro armistício nesta guerra de três dias. Mas não há como deixar de admitir que só quem teve poder para iniciar a guerra teve para cessá-la - e o governo cedeu.

Passados os trágicos momentos de que tão cedo a cidade, o Estado e o País não se esquecerão, convém refletir sobre a profunda distorção de entendimento - por parte de grupos e entidades soi-disant defensoras dos "direitos humanos" - do que seja, em essência, a privação de liberdade dos delinqüentes, por meio das penas de prisão. Pelo menos desde as então revolucionárias idéias do milanês Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria (1738-1794), expostas em seu livro Dos delitos e das Penas, a prisão perdeu de todo o sentido retaliativo do castigo, para adquirir o puro conceito de segregação de um indivíduo, para proteção da coletividade. Em essência, eis em que se fundamenta a pena, para Beccaria: "sulla necessità di difendere il deposito della salute pubblica dalle usurpazioni particolari".

Certamente o isolamento de criminosos do convívio social tem a finalidade precípua de impedir que continuem agredindo a sociedade com seus delitos. O que acontece, no entanto, é que, hoje, em nossas prisões, os grandes criminosos têm muito melhores condições de comandar e desenvolver suas empresas criminosas (pois é disso que hoje se tratam, verdadeiras empresas, com seus múltiplos contatos com o mundo "legal") do que se estivessem em liberdade. Isso ocorre, antes de mais nada, porque nas prisões estão "protegidos", como disse Marcola: "Eu posso encontrar e matar vocês em qualquer lugar, mas vocês não podem me matar aqui." Também porque convivem em promiscuidade com delinqüentes de menor periculosidade, os quais transformam em "soldados" internos ou incumbidos de operações externas - caso dos que estão soltos por livramento condicional ou indultos, como os 10 mil agraciados em razão do Dia das Mães.

Esses líderes, protegidos e dispondo de "massa de manobra", comandam com a máxima eficiência megarrebeliões e atentados, com métodos típicos do terrorismo, adotando um sincronismo de operações de espantosa precisão, porque podem contar, nos dias que correm, com esse novo aparelho de comunicação que é o telefone celular. A possibilidade de comunicação imediata com o mundo fora dos presídios aniquila o valor essencial da prisão, que é a neutralização do potencial criminoso do bandido preso.

Daí por que para esse tipo de líder do crime organizado como é o Marcola, do PCC, não basta o Regime Disciplinar Diferenciado que é apenas um castigo extra, com vigência máxima de um ano. É necessário um regime permanente de incomunicabilidade com os bandos de criminosos que comanda hoje, dentro e fora dos presídios. A modificação da legislação atual é uma necessidade tragicamente reafirmada nestes dias em São Paulo. Nesse sentido, traz alento a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de um pacote de medidas - entre as quais fixação de responsabilidades no bloqueio de celulares, sistema de videoconferência nos interrogatórios de presos e isolamento de chefes do crime por até 720 dias, renováveis por dois anos e outras medidas - num total de 10, com o mesmo objetivo de decapitar as organizações criminosas.

Só esperamos que contra tais medidas não perdurem as conhecidas oposições ideológico-corporativas, próprias dos que mais interessados estão nos "direitos humanos" dos bandidos - porque, em última instância, se nutrem deles.