Título: 'Risco Alckmin' versus dano Lula
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Espaço Aberto, p. A2

Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada na terça-feira, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deixou clara a grande distância entre a teoria e a prática fiscal do governo que integra.

De início, defendeu o plano de ajuste fiscal de longo prazo que ele e o ex-ministro Palocci alinhavaram no início de 2005, para garantir, em dez anos, "a diminuição gradual das despesas correntes do governo, como gastos com pessoal, custeio da máquina e Previdência." Isso, observou, "abriria espaço para reduzir gradualmente a carga tributária, aumentar o volume de investimentos públicos e garantir recursos para programas sociais". Ótimo, desde que não se exagerasse com esses programas e fossem realmente eficazes em alcançar os mais necessitados.

Mas, na prática, o que fez o governo Lula? Segundo o entrevistado, "fez sua lição de casa", mas seria reprovado numa boa escola de finanças públicas, pois aumentou impostos, manteve irrisórios os investimentos públicos e seus programas sociais evidenciam nítido interesse eleitoral, como no recente e forte aumento do salário mínimo, cujos beneficiários têm Título de Eleitor. Tudo indica que será preciso instituir o voto infantil para que as crianças brasileiras tenham a atenção que merecem, negligenciadas que são em favor de eleitores que o governo tange às urnas com seu distorcido enfoque social.

E mais: os ministros Bernardo e Palocci só acordaram para a necessidade de seu plano na segunda metade do governo, mas logo em seguida foram novamente adormecidos pela crise do "mensalão", pela chegada da ministra Dilma Roussef à Casa Civil e pela preocupação preponderante com a eleição presidencial deste ano. Aí a "lição de casa", já na repetência, se credenciou a uma nova e mais contundente reprovação, pois caminhou com maior força na direção da gastança.

A propósito, com a entrevista veio um gráfico do superávit primário (do setor público não-financeiro), equivocadamente chamado de "aperto fiscal" pelo jornal. Verifica-se que esse superávit caiu rapidamente, de valores acima de 5% do produto interno bruto (PIB), entre janeiro e outubro do ano passado, para números perto de 4% do PIB no primeiro trimestre deste ano.

Perguntado sobre idéias do candidato oposicionista, Geraldo Alckmin, a respeito da política econômica, as quais o repórter colocou genericamente como "reduzir juros, impedir a excessiva valorização do real e cortar despesas", o entrevistado afirmou: "... (ele) precisa ser mais claro no seu discurso. Vai mudar a política econômica? Qual será a nova política?"

E acrescentou: "Acho que assim os agentes econômicos podem começar a se preocupar com o 'risco Alckmin'. (...) A sociedade cobrará propostas mais elaboradas que as generalidades provincianas que ele dá como receita. Das maiores bobagens que já ouvi, uma é que o compromisso fiscal dele será maior."

Ora, pelo que sei de interlocutores de Alckmin ligados à área econômica, como seu ex-secretário da Fazenda, Yoshiaki Nakano, esse compromisso fiscal só é uma bobagem na incoerente reflexão do ministro Bernardo, pois é na linha do indispensável ajuste referido inicialmente (ressalvada novamente uma diferente interpretação do que sejam programas efetivamente sociais), que ele mesmo defende, mas nunca foi praticado pelo atual governo. E seria centrado nas despesas correntes, cogitando-se inclusive de um déficit final zero, com o objetivo de evitar o crescimento da dívida.

Seria isso uma "generalidade provinciana"? Em sua singularidade brasiliana, o ministro Bernardo teria muito a aprender nesta província, pois aqui encontrará uma das pouquíssimas experiências bem-sucedidas de ajuste fiscal "neste país", como costuma dizer o presidente Lula.

Quando a dupla Covas-Alckmin chegou ao governo de São Paulo, em 1995, encontrou as finanças estaduais em estado calamitoso. Em larga medida por meio de rigoroso controle de despesas e, em particular, dos gastos correntes, foi promovido um autêntico e rigoroso ajuste fiscal, cujos frutos o Estado hoje colhe mediante recuperação de sua capacidade de investir em obras públicas, a qual em termos relativos supera a do governo federal. Aqui, por exemplo, se fazem grandes estradas e se amplia um metrô, enquanto o governo federal chega a anunciar uma atrasada operação tapa-buracos como uma de suas grandes realizações. Programas sociais, como os ligados à educação, beneficiando crianças e jovens, também foram expandidos em São Paulo. Expressivas reduções de impostos igualmente ocorreram, como as das alíquotas de ICMS das indústrias de alimentos, de calçados, têxtil, automobilística e de autopeças (de 18% para 12%), da cesta básica (de 18% para 7%) e do álcool (de 25% para 12%). Ainda recentemente, ao me informar sobre este último setor, com gente do ramo neste e em outros Estados, encontrei unânime reconhecimento do mérito dessa redução, um dos ingredientes da atratividade ímpar que São Paulo oferece no contexto da forte expansão por que passa a produção de álcool, com previsão de 44 novas usinas em solo paulista nos próximos sete anos, várias das quais já em andamento.

Na realidade, São Paulo fez nos últimos 11 anos um ajuste fiscal com que o ministro Bernardo sonha para os próximos dez anos, e que deveria ter sido posto em prática - mas não o foi - logo no primeiro dia de mandato do presidente Lula, tal como nos primórdios do primeiro governo Covas-Alckmin.

Assim, com sua larga experiência de um efetivo ajuste fiscal, esse é o "risco" que Alckmin tem a oferecer a Brasília, em contraposição ao dano já realizado por Lula, com seu "ajuste" que expandiu gastos correntes, negligenciou investimentos e aumentou impostos.