Título: Subsídios agrícolas 'viciam', acusa Lula
Autor: João Caminoto, Tania Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Para o presidente, ajuda dos ricos a agricultor ineficiente amplia miséria

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou ontem a União Européia, os Estados Unidos e outras economias desenvolvidas de "viciar" agricultores ineficientes com a concessão de subsídios e, com isso, produzir "pobreza" no mundo em desenvolvimento. Em discurso na Cúpula UE América Latina, Lula conclamou os líderes presentes a se envolverem no compromisso de desbloquear as negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). E informou que fará apelo semelhante na reunião do G-8, as economias mais ricas somadas à Rússia, em julho.

"Cresce na comunidade internacional o sentimento de que os subsídios agrícolas, que já sabíamos serem imorais, são também ilegais. Os países que mantêm esses privilégios estão, na verdade, produzindo pobreza nos países em desenvolvimento", disse. "Viciam os agricultores ineficientes dos países mais ricos e penalizam os consumidores mais pobres em todo o mundo", completou. "Até quando vamos tolerar essa situação perversa?"

A oportunidade de sensibilizar as economias desenvolvidas da Europa a aceitar maior abertura de mercados agrícolas e o fim de subsídios ao setor foi a principal razão pela qual Lula decidiu ir a Viena. A resposta ao convite ficou engavetada por meses no Palácio do Planalto, no entendimento de que a ausência de Lula seria um protesto contra a resistência da UE em negociar uma proposta mais ampla de abertura do mercado agrícola.

Lula valeu-se do tema central da Cúpula, o combate à pobreza e a coesão social, para apontar as contradições do discurso das economias mais desenvolvidas - que dizem estar empenhadas na redução da miséria, embora a agravem ao conceder subsídios e ao proteger seus mercados agrícolas. Após repetir os feitos de seu governo na redução da miséria, Lula insistiu que o aumento do comércio internacional é um dos principais meios de "atacar a fome e a pobreza", mas que é necessário "corrigir os profundos desequilíbrios" nas trocas.

"O protecionismo agrícola dos países ricos é uma das formas mais injustas de depressão das condições de vida do mundo em desenvolvimento", atacou. "Sabemos das dificuldades políticas de alguns países em fazer as reformas necessárias (em suas políticas agrícolas). Mas a fome e a pobreza não podem ser o preço a pagar."

Lula voltou a defender sua proposta de organizar um encontro de líderes de países influentes nas discussões da OMC para estimulá-los a assumir compromissos com a liberalização e a conclusão da Rodada Doha. "Prazos não foram cumpridos. Os riscos são evidentes. Não há tempo a perder. Convoco todos os líderes a se juntarem nesse esforço."

Ao destacar que é preciso manter o nível elevado da Rodada, cujo principal objetivo é justamente promover o desenvolvimento, Lula voltou a declarar que o Brasil está pronto para ampliar concessões nos setores industrial e de serviços. Mas ressaltou que essa atitude depende de movimentos satisfatórios das economias desenvolvidas na agricultura.

Sublinhou ainda que a "principal responsabilidade recai sobre os países ricos" e que as propostas dos emergentes e mais pobres nunca serão capazes de destravar as negociações. Repetiu, por fim, sua máxima de que as concessões devem ser proporcionais ao nível de desenvolvimento dos países envolvidos. "Não se pode aceitar pretextos para o imobilismo."