Título: 'Quando falou de Petrobrás, ele queria dizer Repsol'
Autor: Denise Chrispim Marin, João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2006, Economia & Negócios, p. B4,5

Executivo procura justificar as declarações de Evo Morales, mas não abandona o tom agressivo

Jorge Alvarado, presidente da Yacimientos Petrolíferos Fiscales de BolíviaEntrevistaApareceu em La Paz uma explicação mais razoável para as declarações vienenses do presidente Evo Morales - ele simplesmente se confundiu. "Quando falou de Petrobrás e de contrabando, ele queria se referir à Repsol", afirma Jorge Alvarado, presidente da YPFB, a estatal boliviana de combustível. Petroleira de capital espanhol, a Repsol já teve dois dirigentes presos, sob acusação de contrabando. "Isso acontece com qualquer um. Às vezes o pai troca até o nome dos filhos, não é mesmo?", pergunta Alvarado.

Apesar da confusão do presidente da República, Alvarado mantém os ataques pesados à Petrobrás. Mas afirma acreditar num avanço das conversas em prazo rápido - diz que os debates sobre o novo preço do gás vendido ao Brasil pode estar resolvido em duas semanas.

Mobilizado para as primeiras reuniões de trabalho entre as equipes do Brasil e da Bolívia, Alvarado costuma despachar na sede principal da empresa, num edifício da década de 50 de La Paz, enfeitado por um mural de propaganda política, inspirado nos grandes pintores muralistas mexicanos, onde se divide a história de seu país em duas partes - antes e depois da fundação da estatal do petróleo, em 1937.

Na primeira metade do mural, após a chegada dos espanhóis, avistam-se jesuítas, indígenas e trabalhadores em situação miserável. Na segunda, surge uma modernidade sob luz redentora, com trabalhadores bem alimentados, estradas asfaltadas e pessoas confiantes no futuro - imagem que parece sintetizar a visão do governo de Evo Morales.

A seguir, trechos da entrevista:

As declarações do presidente Evo Morales em La Paz colocam dúvidas sobre as negociações com o Brasil? Não. A reunião de quarta-feira passada foi produtiva e as negociações devem prosseguir. Já temos a pauta de assuntos e muitas questões podem estar resolvidas. Eu acredito, por exemplo, que poderemos chegar a um novo preço sobre o gás em pouco tempo, talvez dentro de duas semanas.

O que houve em Viena, então? O presidente se confundiu. Queria falar da Repsol quando denunciou o contrabando mas deu a entender que se referia à Petrobrás. São coisas que acontecem. Tenho certeza de que você, se tem filhos, já trocou os nomes deles mais de uma vez.

As acusações lançadas contra a Petrobrás estavam erradas? Nunca se disse que a Petrobrás fez contrabando. Mas, ao lado de outras petroleiras, ela participou de outras atividades ilegais e irregulares.

Por exemplo? Assinou contratos de risco que eram inconstitucionais. Contrariavam o artigo 55 de nossa Constituição e precisavam da aprovação do Congresso para entrar em vigor. Essa aprovação jamais ocorreu.

Mas isso não era responsabilidade do governo da Bolívia, naquela época? Não me parece razoável argumentar que uma empresa tenha o direito de investir num país sem conhecer suas leis e artigos.

Mas não havia uma situação de fato, que durava por vários anos e era aceita por todos? Isso não importa. Até porque a Petrobrás participou de outras irregularidades. A maior foi na classificação de San Alberto (maior campo de gás da Bolívia). A Petrobrás participou de uma fraude que lhe permitiu reduzir impostos.

Como assim? O Campo de San Alberto foi registrado como se fosse um campo novo, pelo qual teriam de pagar impostos de apenas 18%. Mas seus grandes reservatórios de gás, que são explorados até hoje, já haviam sido identificados por nós, da YPFB, quando eles ficaram com a concessão.

Mas quem classificava não era o governo? Era o governo, sim, mas as empresas eram cúmplices, pelo menos. A Petrobrás também não pagava impostos corretamente.

O senhor pode dar um exemplo? Posso. Nosso país tem uma lei para remessa de divisas. Mas, embora vendesse gás para o Brasil, a Petrobrás não fazia os pagamentos para a Bolívia, mas diretamente para uma conta em Nova York. Com isso, escapava do imposto para remessa de divisas.

Também se falou em sonegação. Isso envolve a Petrobrás? Isso, a auditoria que vamos iniciar agora poderá dizer. Estamos desconfiados de que muitas empresas petroleiras inflacionavam artificialmente seus gastos para pagar um imposto de renda menor.

Do jeito que o senhor fala, parece que as empresas não serão indenizadas depois que o governo tiver 50% mais um de participação. Quem vai definir isso é a auditoria.

Com tantas críticas, o senhor acredita sinceramente que a negociação vai terminar em acordo entre as partes? Acredito, sim. Iniciamos um processo que vai beneficiar as duas partes. Mas se isso não acontecer, os bolivianos não ficarão preocupados. Não param de chegar investidores ao país, querendo abrir novos negócios com nosso gás. Só nesta semana recebi a visita de três grupos americanos querendo colocar US$ 5 bilhões na Bolívia. A Gasprom, da Rússia, também quer nos visitar.

O senhor acredita que o novo preço do gás estará definido em prazo curto, quem sabe duas semanas. Para onde vai o gás? Não pretendo comentar este assunto.