Título: Hora de regionalizar
Autor: Francisco Turra
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

O Brasil tem a chance de mostrar ao mundo que pode fazer um trabalho preventivo exemplar para impedir que a influenza aviária chegue à avicultura brasileira - que rendeu ao País exportações no valor de US$ 3,5 bilhões, em 2005. Reconhecido no exterior por ofertar ao mercado um produto de qualidade, o empresariado brasileiro, que ocupa a posição de maior exportador mundial de frangos, começa a ser prejudicado pelo que faz bem. No caso da ocorrência da gripe aviária em nosso território, a conseqüência seria ainda mais nefasta: o setor, grande gerador de empregos, seria forçado a reduzir drasticamente a atividade e cortar postos de trabalho, o que é altamente indesejável. Arregaçar as mangas agora é fundamental para garantir que um episódio como esse não destrua um trabalho longo de construção de uma avicultura vigorosa e exportadora.

A gripe aviária é considerada exótica no Brasil porque nunca foi registrada em nosso território a ocorrência do vírus, de alta patogenicidade. Fomos beneficiados por não estarmos na rota de aves migratórias provenientes da Europa, da Ásia e da África, regiões com registros da doença. Mas, apesar de ser remoto o risco de ela chegar, isso não nos pode levar à inação. Tanto o governo quanto as empresas precisam agir para proteger o que é nosso. Um pouco de nacionalismo é salutar.

Do ponto de vista da saúde, é fundamental, neste momento, levarmos à população informações corretas sobre a doença e os reais riscos para a saúde humana e combater enfoques, muitas vezes em tom alarmista, que em nada colaboram para esclarecer, de fato, a situação. Embora a gripe aviária seja, claro, uma doença de aves, a enfermidade ocasionalmente pode infectar pessoas que tenham tido contato direto com aves vivas. Ainda não há registros seguros de transmissão do vírus entre humanos, o que caracterizaria uma pandemia. Algumas pessoas dizem que a doença tem data certa para chegar ao Brasil, mas é impossível prever quando e se algum dia chegará.

Resta às empresas proteger seus plantéis e mostrar que o produto brasileiro conquistou o mercado externo por sua qualidade. A iniciativa privada tem saído na frente e adotado procedimentos rigorosos de proteção ao seu patrimônio. Elas sabem que o aumento do rigor na produção de aves poderá ser capaz de evitar o encolhimento do mercado. Não há empresário interessado em comprometer resultados em decorrência de desleixo e de falta de motivação.

O governo federal e os governos estaduais também têm uma missão enorme pela frente. A aprovação do Plano Nacional de Controle da Gripe Aviária é o começo. O programa é abrangente e distribui funções entre Estados e União. Esperamos que as medidas preconizadas no palanque sejam levadas a efeito com rapidez, evitando que a burocracia sirva de freio para a ação. O País requer investimentos importantes em laboratórios de referência e técnicos treinados para a atividade. Até agora o governo federal tem dado indícios de que honrará seus compromissos. O primeiro grupo de técnicos veterinários iniciou treinamento intensivo no final de abril, no Recife. Mas ainda há muito por fazer. Os Estados igualmente deram uma mostra do que pretendem fazer. O interesse de uns tem motivado outros, o que é bastante positivo.

Reunidos em Florianópolis, representantes dos governos do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo e de Goiás detalharam seus planos de ação e discutiram a adoção da regionalização, medida que consta do Plano Nacional de Prevenção à Influenza Aviária. A regionalização protege os Estados no caso de o vírus chegar ao País. Sem esse sistema, se ocorrer um foco numa determinada região, toda a exportação será prejudicada.

Até o final do mês alguns Estados deverão aderir formalmente ao plano e apresentar as medidas que estão sendo tomadas para prevenir a chegada da gripe aviária ao País. A partir daí eles estarão habilitados a restringir ou impor condições para que as aves provenientes de Estados que não tenham aderido - e, por conseqüência, não tenham adotado controles rígidos - entrem em seu território. Não se trata de uma disputa sórdida para afetar o competidor, ao contrário, é uma decisão que protege o País. A regionalização é bem-vista pela Organização Internacional de Epizootias, organismo máximo da economia animal, e permitirá que o Brasil recorra à Organização Mundial do Comércio caso seu produto sofra embargos políticos de potenciais compradores no exterior.

*Francisco Turra, deputado federal (PP-RS), foi ministro da Agricultura