Título: Kirchner, ambíguo mas popular
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

BUENOS AIRES - O presidente Néstor Kirchner completou na quinta-feira três anos de governo que teve como marca registrada uma política econômica difícil de ser classificada. Foram três anos de poderoso superávit fiscal (fato inédito nas últimas sete décadas) e de recuperação das reservas do Banco Central. Kirchner manteve uma ostensiva política assistencialista - base dos governos de seu partido, o Justicialista (Peronista) - e de distribuição de fundos para governadores e prefeitos com intenções eleitoreiras. Seu populismo é financiado pelo superávit fiscal, e não como fazia o ex-presidente Carlos Menem (1989-99), com endividamento externo.

Kirchner certamente será lembrado pela polêmica reestruturação da dívida pública com os credores privados, aos quais infligiu uma drástica redução do valor nominal dos títulos. Além disso, esticou os prazos dos vencimentos em até 40 anos, dando ao país um período de alívio.

Por causa da reestruturação, foi chamado de "esquerdista". Para compensar, em janeiro passado Kirchner pagou cada centavo que devia ao FMI - medida de viés populista devidamente seguida de críticas e impropérios contra o Fundo.

AUTO-ELOGIOS

"Ortodoxo populista" e "provinciano subitamente globalizado" são algumas das das formas como é chamado o ambíguo Kirchner. Quinta-feira, ele discursou para 250 mil pessoas na Praça de Mayo e auto-elogiou sua gestão. O evento foi visto como o lançamento extra-oficial de sua candidatura à reeleição no ano que vem, que já encontra cenário altamente favorável. Kirchner contabiliza uma série de sucessos, que elevam sua popularidade. Segundo as pesquisas, conta com mais de 60% de imagem positiva. Se as eleições fossem realizadas hoje, venceria no primeiro turno, com 53% dos votos.

Entre os fatores que lhe conferem popularidade está o crescimento do PIB, que desde sua posse aumentou 9% em média por ano, chegando a 27% acumulado, o ciclo de maior crescimento do último meio século. As exportações cresceram, com a política cambial aplicada pelo presidente, que faz o possível para manter o dólar em 3 pesos.

Kirchner foi criticado por ser seu próprio Ministro da Economia: em novembro, destituiu o independente Roberto Lavagna e nomeou a obediente Felisa Miceli. Empresários e economistas criticam a forma "básica" de ele lidar com a economia. "Ele não percebe a complexidade dos fatores econômicos. Ele lida com a economia tal como o quitandeiro lida com seu cliente. Por isso, quando algo dá errado, busca resolver a situação com bofetadas."

A pobreza, desde a posse, caiu de 53% para 33,8% da população. Mas nunca houve tanta distância entre ricos e pobres. Um sinal claro disso é o boom da construção civil, restrita aos bairros ricos de Buenos Aires.

O índice oficial de desemprego caiu de 17,8% para 11,1%. O desemprego real (o governo considera "empregados" 1,2 milhão de desempregados que recebem o subsídio estatal de US$ 50) caiu de 22% para 14%.

Entre os problemas de Kirchner está a dificuldade na luta contra a informalidade trabalhista, já que nestes três anos, apesar da recuperação da economia, o número de trabalhadores sem carteira assinada recuou só de 48% para 45%.

O maior pesadelo no momento é a escalada da inflação, que atingiu 3,9% já nos primeiros quatro meses deste ano. Para detê-la, o governo, desde dezembro, pressiona o empresariado a congelar preços até o final deste ano.

O setor mais rebelde, dos produtores de carne bovina, negou-se ao controle de preços e foi punido com a suspensão das exportações. O castigo, dizem analistas , acaba por afastar os investidores internacionais, que preferem colocar dinheiro nos mais previsíveis Chile, Uruguai e Brasil.

QUARTO ANO

No primeiro trimestre deste ano o crescimento do PIB foi de 8,6%. Segundo analistas, em 2006 será impossível repetir os recentes 9%. No entanto, eles não prevêem crises no horizonte. Mas, alegam que, para que o crescimento se consolide de forma genuína, é preciso atrair investimentos estrangeiros. "O capitalismo nacional não é suficiente", afirmam.

"A preocupação, daqui para a frente, deveriam ser as Três I!", aponta o ex-vice-ministro da Economia, Orlando Ferreres - Inflação, Investimento e Internacional. Ele afirma que as expectativas de inflação estão controladas, mas continuam em preocupantes dois dígitos.

O investimento, por seu lado, está abaixo do nível dos países que, tal como a Argentina, crescem 9% por ano. E por último, o cenário internacional, que pode mudar. "Em dezembro, a taxa de juros dos EUA estará em 6,25%. O ajuste vai começar. E, quando a taxa de referência dos EUA passa dos 5,5%, acontece uma reversão total dos cenários..."