Título: Tecnologia reescreve regras da privacidade
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/05/2006, Internacional, p. A18

Avanços ocorrem mais depressa do que as leis conseguem acompanhar

Nunca foi tão fácil saber tanto sobre tanta gente. A revelação, quinta-feira, de que três das maiores companhias telefônicas dos EUA entregaram registros de ligações de clientes à Agência de Segurança Nacional (NSA) mostra como a tecnologia está reescrevendo as regras da privacidade mais rápidamente do que a lei pode acompanhar. E, com seus poderosos programas de bancos de dados rastreando detalhes pessoais, cada vez mais companhias se vêem entre as expectativas de privacidade dos clientes e a demanda de segurança nacional do governo federal.

"É muito fácil dizer 'sim'", afirmou Bruce Schneier, especialista em segurança de tecnologia. "O governo entoa um refrão patriótico e você quer fazer o certo." Em muitos casos, é o governo federal que espia sobre o ombro virtual do público. No entanto, com métodos mais rápidos para coletar, organizar e distribuir dados digitais, policiais, companhias de cartão de crédito e até vizinhos podem obter informações privadas.

Mas a revelação sobre a NSA é o exemplo mais recente de como detalhes íntimos recolhidos para fins comerciais podem ser usados de maneira inesperada.

"É preciso avaliar como essas informações poderiam ser objeto de abuso", disse o professor de direito constitucional Martin Flaherty. "Afinal, ainda estamos falando de informações privadas."

Os dados coletados pela NSA nos últimos quatro anos não incluíam rotineiramente nomes individuais. A agência não pode rastrear residentes dos EUA deliberadamente. Os dados foram usados para mapear padrões de ligações em busca de possíveis pistas de atividades terroristas. Mas defensores das liberdades civis afirmaram que a iniciativa levanta questões sobre a capacidade do governo de usar a tecnologia para driblar as leis de proteção da privacidade.

"É a vigilância mais ampla dos americanos já feita pelo governo", disse Marc Rotenberg, diretor do Centro de Política de Informação Eletrônica. O advogado Kevin Bankston, da Fundação Fronteira Eletrônica, afirmou: "Não existe embasamento legal para essa invasão por atacado." Baseada em revelações anteriores, a Fundação Fronteira Eletrônica já processa a AT&T Corp. - a maior das três companhias que forneceram dados à NSA - por sua cooperação com o governo.

O processo cita uma reportagem de dezembro do Los Angeles Times informando que a companhia deu à NSA acesso a um banco de dados com seus registros de ligações. A fundação acusa a AT&T de manter uma sala em sua principal estação de distribuição em San Francisco com equipamentos com cópias de todos os e-mails e dados de voz digitalizados transmitidos ali. A sala só era acessível aos autorizados pela NSA, dizem ex-empregados. A AT&T não comentou o caso.