Título: A TV digital e o padrão japonês
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Às vésperas do prazo fixado para a definição do modelo tecnológico da TV digital brasileira, o governo anunciou, informalmente, a opção pelo padrão japonês. Embora a divulgação oficial da decisão só deva ser feita após a passagem por Brasília do presidente da União Européia, José Manuel Durão Barroso, que veio esta semana ao País com o objetivo de defender o padrão europeu, o Itamaraty já encaminhou às autoridades e empresas japonesas do setor de comunicações ofício no qual pede a elas que definam a data da cerimônia de assinatura do acordo.

A idéia do governo é apresentar um documento enxuto, definindo o padrão tecnológico e as regras que disciplinarão a transição do sistema analógico para o digital. Elaborada no final da semana passada, a primeira minuta do texto estabelece apenas as diretrizes do padrão adotado, deixando para o Congresso a responsabilidade de definir os detalhes da legislação a ser adotada. Em troca da escolha do padrão digital japonês, o governo brasileiro afirmou que pedirá contrapartidas econômicas. No entanto, o acordo a ser anunciado com o Japão só deverá mencionar a continuidade de estudos sobre a viabilidade de investimentos para a instalação de uma fábrica de semicondutores no País.

A definição do padrão e do sistema a ser adotado pelo Brasil se arrastava desde 1999. Como a implantação da TV digital no Brasil é um negócio estimado em R$ 100 bilhões, o País foi alvo de forte pressão dos lobbies das três tecnologias digitais, dos investidores e das indústrias de telecomunicações. Há quatro meses, a imprensa chegou a noticiar que o presidente Lula se inclinaria pelo padrão japonês, em detrimento dos padrões americano e europeu, mas a notícia foi desmentida pelo governo.

A escolha de um padrão digital entre as alternativas existentes é uma decisão estratégica, uma vez que permite ao Brasil agregar à tecnologia escolhida um conjunto de vantagens e oportunidades industriais, financiamentos, apoio à pesquisa e avanços no campo da inclusão digital.

Outro ponto importante é o incentivo à participação de pesquisadores brasileiros no desenvolvimento de softwares e de padrões que complementem a tecnologia adotada, adaptando-a às condições do País. Várias pesquisas já foram concluídas com êxito por 22 consórcios formados com a participação de mais de 90 cientistas da indústria e de importantes instituições de ensino superior. Financiadas pelo governo, essas pesquisas custaram mais de R$ 50 milhões.

No Brasil, a exemplo do que aconteceu no resto do mundo, o processo de escolha de um modelo tecnológico de TV digital opôs interesses das redes de televisão e das operadoras de telecomunicações fixas e móveis. As primeiras desejam a adoção do modelo japonês porque ele não permite que as segundas transmitam conteúdo - o que é possível com o modelo europeu. Esse problema foi agravado em julho de 2005, com a nomeação do senador e jornalista Hélio Costa para o Ministério das Comunicações. Ex-repórter e sócio de emissora de rádio, em várias ocasiões ele pareceu agir menos como ministro e mais como lobista de redes de tevê, defendendo o modelo japonês e sendo acusado de não ter a isenção necessária para liderar as discussões sobre o padrão e o sistema mais adequado aos interesses nacionais.

Além disso, o anacronismo da legislação de rádio e televisão, que é baseada num texto legal de 1962 e em vários decretos editados pela ditadura militar, dificultou o entendimento entre as redes de tevê e as operadores de telecomunicações. Diante dos problemas causados por essa legislação obsoleta e cartorial, ficou clara a necessidade de uma moderna Lei Geral de Comunicações, que estabeleça novas diretrizes para a radiodifusão brasileira, sob orientação de uma agência reguladora de ação muito mais abrangente, que contemple a chamada convergência tecnológica, harmonizando os múltiplos segmentos do setor de comunicações.

Sem uma lei como essa, os conflitos no setor só tendem a se multiplicar e a agravar, dificultando a implantação do padrão que, após oito anos de discussão, for escolhido pelo governo para a TV digital no País.