Título: Intervenção branca na CTNBio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2006, Notas e Informações, p. A3

A mesma tática usada para atrasar em cinco anos a construção do Trecho Sul do Rodoanel, em São Paulo, está sendo empregada na guerra em que de há muito se transformou a questão do cultivo de organismos geneticamente modificados. Vencidos na sua pretensão de tornar o Brasil "livre de transgênicos", quando o Congresso, por ampla maioria e depois de infindáveis vaivéns, aprovou a Lei de Biossegurança, os ecofundamentalistas e os radicais que abominam o agronegócio em geral se mobilizaram em seguida para que o presidente Lula a sancionasse com vetos que a desfigurariam. Derrotados, tentaram esvaziá-la na sua regulamentação, ainda no ano passado - e de novo fracassaram.

O núcleo do problema, como se sabe, são os poderes e o processo decisório da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o colegiado de 27 membros, entre cientistas, funcionários ministeriais e representantes da sociedade indicados pelo Ministério da Justiça, criado em 1995. Como o nome indica, a CTNBio é a agência incumbida de dar a última palavra sobre os efeitos para a saúde e o ambiente dos transgênicos que se queiram plantar para fins comerciais ou de pesquisa. Diante disso, os ecoxiitas adotaram um estratagema que não engana a ninguém. Consiste em impedir solertemente que a agência dê a sua palavra. Para tanto, conseguiram que o Ministério Público, com base na lei que o instituiu, impusesse nas reuniões ordinárias mensais da CTNBio a presença de um representante, no caso a procuradora regional da República Maria Soares Cordioli.

Em face da reação indignada dos cientistas ao que entendem ser, apropriadamente, uma intervenção branca no órgão, a procuradora disse que a sua intenção não era de atrapalhar, mas de "contribuir" para as decisões ali tomadas. Depende do que se entenda por contribuição. Afinal, o Ministério Público Federal (MPF) é parte em ações impetradas desde 1998 contra o ato da CTNBio original que liberou o plantio de soja transgênica sem estudo prévio de impacto ambiental. Parecer do MPF levou um juiz de Brasília a decretar, para todos os efeitos, uma moratória em relação aos transgênicos, que durou até 2004, quando a Justiça Federal deu ganho de causa à CTNBio. A procuradora Cordioli ajudou a encaminhar embargos contrários a essa decisão. E o MPF, enfim, entrou no Supremo com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a nova Lei de Biossegurança.

Na CTNBio, a "contribuição" da procuradora tem sido inequívoca: as suas ações exibem o transparente propósito de paralisar os trabalhos do organismo. E nesse sentido os preconcebidos adversários das aplicações da engenharia genética no Brasil vêm colhendo bons resultados. Com um passivo de 538 processos para examinar - entre autorizações de pesquisa, revalidação de protocolos e liberação de transgênicos no mercado -, a CTNBio está emperrada. "Um grupo que notadamente está lá para atrapalhar fica se atendo a picuinhas e não se avança no principal", reclama o pesquisador Edilson Paiva. Como sempre, a burocracia é uma arma inestimável para os interessados em frear atividades a que se opõem. Na comissão de biossegurança, a história se repete. Um dos recursos adotados pelos ambientalistas entre aspas, como os define Paiva, é gastar o tempo literalmente útil dos profissionais do conhecimento com um palavrório sem-fim nas reuniões que os afastam de seus afazeres habituais.

Os sabotadores apostam na impaciência dos pesquisadores diante do clima de improdutividade induzida para "desmantelar a CTNBio", como diz um deles. A idéia é fazer com que se desliguem do órgão onde, por sinal, o seu trabalho é considerado honorífico. (O governo lhes paga a passagem aérea e uma diária de opulentos R$ 123,00.) Os prejuízos para o Brasil são obviamente imensos. Enquanto se acumulam obstáculos para o aproveitamento pleno da primeira geração de espécies vegetais transgênicas, os Estados Unidos já trabalham com a quarta geração de sementes modificadas. Ali, a área ocupada pelas novas variedades de milho transgênico aumentou perto de 10%, impulsionada pela abertura de mercado aos biocombustíveis, como o etanol. Pode-se apenas imaginar o custo, para o Brasil, da demora para alcançar essa nova fronteira agrícola.