Título: Demissões em massa devem se limitar à Volks
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Economia & Negócios, p. B14

Exportações das montadoras são afetadas pelo real forte, mas analistas não prevêem um efeito dominó

A crise na Volkswagen, que tem planos de demitir quase 6 mil trabalhadores no País nos próximos dois anos, não deve provocar um efeito dominó nas demais montadoras. As empresas do setor reclamam de perda de contratos externos por causa da política de valorização do real e reduziram os programas de exportação, mas não há perspectivas de corte em massa de pessoal. A indústria automobilística ainda trabalha com projeções de exportar este ano valor recorde de US$ 11,5 bilhões, 2,7% a mais que em 2005.

O crescimento é inferior aos 34% de aumento registrados em 2005 ante 2004. "Todas as empresas são severamente afetadas pelo impacto do câmbio, mas não dá para dizer que o modelo Volkswagen vai se estender para o setor, pois cada companhia tem sua especificidade", diz o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb. Ainda assim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou disposição em ajudar o setor.

Mesmo com o anúncio da Volks de que vai vender 100 mil unidades a menos no mercado internacional e os cortes já previstos pelas outras empresas, a Anfavea mantém a projeção feita em dezembro, que já previa a desaceleração das exportações. A Volks é a maior exportadora de carros do País. O mercado externo fica com 42% de sua produção. A dependência de clientes externos é menor para Fiat, GM e Ford. As quatro respondem por 80% de toda a exportação do setor.

O caso da Volks, segundo analistas, vai além do problema cambial. Passa pela necessidade de reestruturação da operação no País, vista como ultrapassada. "A fábrica Anchieta é a mais ineficiente do mundo", diz o especialista em indústria automotiva e presidente do Lean Institute, José Roberto Ferro.

É nessa fábrica, a mais antiga do grupo, instalada no ABC, que a reestruturação deve afetar mais trabalhadores. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, das 5.773 demissões previstas, 3.672 ocorrerão na unidade, 1.420 em São José dos Pinhais (PR) e 681 em Taubaté (SP). O grupo tem 5 fábricas no Brasil e emprega 22 mil pessoas. A filial de caminhões em Resende (RJ) e a de motores em São Carlos (SP) não são citadas no plano de cortes.

A Volks se apega à perda de competitividade cambial para justificar seu plano. Somente para o México, onde os preços dos carros foram reajustados em 20%, as vendas caíram 36,6% em 2005. Este ano haverá nova queda.

Outros dois clientes importantes, os EUA e o Canadá, que compravam 40 mil unidades do Golf, encomendaram em 2005 metade desse volume. Este ano suspenderam o contrato. Nesse caso a culpa não é do câmbio, mas do produto que ficou velho.

O golpe mais duro, porém, vem do Fox. A fábrica do ABC faz uma versão exclusiva para o mercado europeu, para onde seriam exportados este ano 112 mil unidades. Com o real valorizado, o número será bem menor. "O Fox é um produto bom para o Brasil, mas não sei se é bom para a Europa", afirma Ferro. O carro para o mercado nacional, produzido no Paraná, é o quarto mais vendido no País.

O Fox ajuda a Volks a recuperar participação doméstica. A marca que foi líder em vendas por 42 anos até 2001 tinha 35% do mercado de carros há dez anos. Nos últimos três, a fatia ficou na casa de 21%. Este ano, até abril, está em 23,7%, próxima da líder Fiat, com 24,2%.

A derrocada da Volks acompanha a chegada das novas montadoras, que aos poucos roubam fatia das mais antigas, especialmente das que não atualizaram produtos. As unidades da Volks no ABC e em Taubaté produzem Gol, Parati, Santana, Saveiro, Kombi e Polo. Taubaté está sendo preparada para produzir o substituto do Gol, em 2008. Já o ABC, que recebeu investimentos para o Fox, corre risco de drástico encolhimento ou até fechamento.

A queda de produção prevista pela Volks vai alterar ainda mais o mapa da indústria automobilística. Em 1990, São Paulo produzia 74,8% de todos os veículos brasileiros. Em 2005, apenas 45,8%. Além da Volks, produzem carros no Estado a Ford, GM, Toyota e Honda. Minas Gerais, onde está a Fiat, caiu de 24,5% para 20,2%. Paraná, Rio, Bahia, Rio Grande do Sul e Goiás, onde a maior parte das novas fábricas foi instalada, já dominam 21,4% da produção.