Título: O pomar de Lula
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Economia & Negócios, p. B7

Quem não está bem informado e ouviu Lula falar domingo passado, em comemoração ao Dia do Trabalho, terá ficado com a impressão de que o País começou a ser construído em 2003. O discurso celebrou a auto-suficiência na produção de petróleo e os resultados na economia e nos programas sociais, dando a impressão de que tudo se deve ao seu governo.

No mesmo dia, o PT aprovou idéias para a política econômica de um eventual segundo governo, as quais, se adotadas, reverteriam conquistas acumuladas desde o Plano Real. Os feitos de que Lula se vangloria inexistiriam se ele tivesse seguido tais idéias.

Não é a primeira vez que Lula age dessa forma. O bordão "nunca antes nesse País..." com o qual busca diferenciar-se dos antecessores, sugere que ele recebeu um País arrasado. Os petistas falam em "herança maldita". Na verdade, a herança foi benigna, como é fácil provar se tema for tratado de forma intelectualmente honesta.

Nos países institucionalmente maduros, situação para a qual o Brasil caminha, em cada período de governo ocorrem avanços que ampliam o potencial de crescimento econômico. Assim, a menos que ocorram problemas provocados por desastres naturais, guerras, crises mundiais ou semelhantes, entrega-se ao próximo governo um país melhor. Salvo raros casos, governantes capazes costumam amplificar os efeitos da herança recebida.

Para contrapor o bordão presidencial, pode-se usar uma metáfora, recurso de linguagem do seu agrado: Lula recebeu um pomar com árvores plantadas por seus antecessores, particularmente FHC, as quais já davam frutos. Outras precisavam ser plantadas para aumentar o potencial de produção.

Antes de chegar ao poder, Lula achava que era melhor substituir as árvores em frutificação, ou "tudo que está aí", como costumava dizer.

Companheiros radicais diziam que era preciso passar um trator no pomar e promover "uma ruptura necessária". "Outro pomar é possível", era mais ou menos o slogan deles.

Em 2002, os investidores temeram que Lula seguisse essa proposta e destruísse o pomar. Fugiram em busca de pomares seguros onde seus investimentos rendessem os frutos esperados. A correspondente crise de confiança foi uma lição para Lula, que resolveu manter a política econômica, preservando as árvores que já frutificavam. Percebeu o risco de destruir o que estava produzindo e nada colocar em seu lugar.

Lula designou Antonio Palocci para cuidar da Fazenda, isto é, das árvores em produção. Deu-lhe liberdade para escolher um time competente e o apoiou contra as investidas dos companheiros inconformados com o abandono do "programa".

A praga da inflação ameaçou o pomar, mas foi eliminada. As árvores foram bem cuidadas e continuaram a produzir os frutos que ora Lula colhe com certo estardalhaço. Depois de errar na árvore social, Lula recorreu a outra herança benigna e preservou a árvore que havia recebido, que passou a ser conhecida como árvore-família.

Com erros e acertos, o pomar continuou produzindo. A colheita deste ano promete e pode ajudar o projeto de reeleição. O problema é que Lula pouco plantou para a colheita do médio prazo. Além disso, grande parte das árvores recebidas foram mal cuidadas, o que tende a reduzir sua capacidade de produção futura. São exemplos disso as árvores das relações exteriores e da reforma agrária. A árvore da educação pode piorar a sua produção, principalmente se vingar o equivocado projeto de cotas raciais nas universidades.

Regar e adubar a árvore frutífera da macroeconomia constituiu a ação mais meritória. Não foi pouco. Os investidores acreditaram na mudança e voltaram, agora em maior número. A confiança atingiu níveis inéditos.

Eles se convenceram de que Lula não liga a mínima para as velhas idéias dos seus companheiros.

Havia expectativa de que Lula reformaria o pomar e plantaria muitas árvores. Ele começou bem com medidas como as reformas previdenciária e judiciária e a lei de falências. Imaginava-se que haveria as reformas tributária e trabalhista e que o Banco Central se tornaria formalmente autônomo. Infelizmente, a incompetência e os escândalos paralisaram de vez a agenda.

Sem ter plantado muitas árvores, Lula privará (se reeleito) a si e a seus sucessores de melhores colheitas. O pomar tende a ter a mesma ou menor produção. Aí, sim, se poderia falar em herança maldita.