Título: Pressão por energia alternativa produz uma nova geopolítica
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Tendência é crescerem os conflitos por causa do gás, apontado como o melhor substituto do petróleo

A crise entre Bolívia e Brasil na questão do gás natural faz parte de uma tendência mundial de proliferação de conflitos entre países pelo recurso energético, considerado o substituto mais viável do petróleo. Estrategistas e analistas do setor de energia apontam que, diante da perspectiva de crescimento exponencial do consumo nos próximos 20 anos, a relação entre países que contam com a sorte de terem gás e economias que vão necessitar do combustível pode ser fundamental para entender a geopolítica internacional.

Pelo menos três fatores explicam o êxito do gás. As estimativas indicam que o volume de suas reservas ainda é grande e estaria disponível por um tempo bem maior que o petróleo, em parte por terem sido descobertas anos depois. Outra vantagem do gás é que emite apenas um terço de gás carbônico na atmosfera, em comparação com o petróleo. Para os países comprometidos em reduzir emissões de gases poluentes, a alternativa é bem-vinda.

CONSUMO

Segundo um relatório preparado pelo governo americano há poucos meses, o consumo do gás aumentará 70% até 2025, principalmente nas economias emergentes, para a produção de eletricidade. O documento também indica que vários campos de gás estão por ser descobertos. A estimativa é encontrar duas vezes mais gás do que o que o mundo consumirá nos próximos 20 anos.

Os americanos prevêem que a produção mundial aumentará 4,1% ao ano até 2025, o que exigirá, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), investimentos de US$ 1,6 trilhão. A Ásia terá o maior crescimento, triplicando o consumo de gás. Na América do Sul, o crescimento será de 3,3% ao ano e, em 2010, o gás natural já estará superando o petróleo como fonte de energia elétrica, abaixo apenas das hidrelétricas.

Mas nem todos os países que consomem conseguirão produzir. Nas economias ricas, o aumento da produção será de apenas 0,6% ao ano, o que significa que Europa, Estados Unidos e Japão ficarão cada vez mais dependentes das fontes do gás.

Um dos grandes problemas com repercussões geopolíticas é que grande parte das fontes do gás se concentra em poucos países, causando uma corrida ao produto e dando a esses governos poder cada vez maior. Segundo a AIE, 76% das reservas de gás estão em apenas dez países. Cinco deles - Rússia, Irã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes - representam 67% do gás mundial. A Rússia, por exemplo, conta com 27,8% das reservas mundiais, ante apenas 3,1% nos Estados Unidos.

Os americanos se encontram em posição cada vez mais dependente. Um quarto do suprimento americano de energia vem do gás, mas com as reservas no Canadá, México e no próprio território dos Estados Unidos se esgotando rapidamente a Casa Branca começa a procurar formas de trazer o produto da Nigéria, Rússia ou Catar.

Os europeus vivem situação ainda mais delicada. Cada país adotará estratégia diferente para obter seu gás nos próximos anos. Mas, entre os analistas, todos concordam: diante dos altos preços do petróleo e da necessidade crescente do mundo por energia, o gás terá o poder de modelar as relações entre os países nos próximos anos.