Título: Análise: Gás não importa. Quem manda é Chávez
Autor: Jochen-Martin Gutsch
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

A questão do truculento gesto da Bolívia, cercando com tropas fortemente armadas as dependências da Petrobrás, com Evo Morales xingando todo mundo, inclusive o Brasil, perdeu importância. Ele poderia ser mais delicado com um parceiro comercial, mas isso era esperado. Ele vai agredir os mais dependentes, o Brasil, e curvar-se aos que têm mais poder de reação, a Espanha, os EUA, países que têm outras opções para o gás, podem simplesmente desprezar a Bolívia e deixá-la na miséria do ostracismo em que sempre viveu.

No caso do Brasil, vamos ter de pagar um preço mais caro pelo gás, sem muitas alternativas. O que importa dessa tragicomédia toda está bem resumido na manchete do Estado, sexta-feira: "Lula sai de mãos vazias e diz que vai investir na Bolívia". Como bom cristão deu a outra face só para não criar repercussões políticas internas nestes meses de pré-eleição.

A jornalista Denise Chrispim Marin foi felicíssima ao classificar a reunião de Puerto Iguazú, entre Lula, Evo Morales, Néstor Kirchner e Hugo Chávez como "uma espécie de terapia de grupo". Uma comparação perfeita, mas o analista que conduziu toda a sessão foi Hugo Chávez, o novo Fidel Castro da América Latina, que nem escondeu a agressividade com relação ao Brasil. Antes de ir para Puerto Iguazú, reuniu-se em La Paz com Evo, levando uma comissão de técnicos da sua empresa petrolífera - ela também mal das pernas... - para garantir que eles, os venezuelanos chavistas, apoiavam a Bolívia e colocariam seus técnicos tocando as operações de extração, produção e refino de petróleo. Deixem os técnicos brasileiros irem embora que nós vamos substituí-los. Uma linguagem muito clara que equivale a um tapa no Brasil. E Lula respondeu com um sorriso amável e abraços "amigos" que devem ter provocado gargalhadas na comitiva do Chávez.

Fizemos um papel feio, de anões que absolutamente não somos diante de uma Venezuela que não é nada, não tem nada além de pobreza, miséria e petróleo. Petróleo que, graças à Petrobrás, nem precisamos.

Na verdade, não precisamos absolutamente nada da Venezuela com sua arrogância de potência empobrecida.

Afinal, qual o "segredo diplomático" que leva Brasília a cultivar, submeter-se e estimular essa associação com um país dirigido por um presidente desequilibrado; presidente que vai agora (com um exército de mais de 100 assessores!!) atravancar e inviabilizar a reunião que seria técnica entre os países latinos e europeus, da OMC?

DEIXA ELE BRIGAR SOZINHO!

Chávez está orientando toda sua política - inclusive latino-americana e brasileira - pelo ódio e confronto aos Estados Unidos. Por que não os pune, então? Por que não suspende logo as vendas de petróleo aos americanos?

Ah! esta é a questão. O petróleo venezuelano é, em sua grande parte, pesado, e as refinarias que podem operá-lo estão... nos Estados Unidos!

Vamos, sr. Chávez, brigue com eles, xingue Bush, desafie-o para um duelo, faça o que quiser, mas deixe o Brasil em paz! Só, que loucura, foi o governo brasileiro que se aproximou dele. Para que serve isso aos interesses da Nação, do povo? No que a Venezuela de Chávez pode acrescentar às tentativas ainda frustradas de crescimento que dê um mínimo de melhoria de vida a um país comparativamente atrasado e pobre?

Se a Venezuela é poderosa e pode agredir os EUA, que o faça, mas sem a simpatia do Brasil, sob o olhar no mínimo neutro de Brasília.

CHÁVEZ É ANTI-BRASIL

Na reunião dos presidentes de Puerto Iguazú, Chávez mostrou o que é e o que quer, um Brasil submisso, indo dias antes do encontro de presidentes, dar apoio aberto, público e pessoal a um outro presidente que acabava de nos agredir - e não falo do preço do gás, isso não tem mais importância -, mas dos seus gestos de Nero soberano dominador da América Latina, na formação de uma frente primeiro antiamericana e, em seguida, antieuropéia, como revela muito o correspondente do Valor, Assis Moreira, em artigo de quinta-feira, sob o título "Populismo de Chávez dificulta acordos com União Européia".

"Visto de Bruxelas, o protagonismo populista de Chávez provoca abalos também na combalida negociação EU-Mercosul", diz ele, mesmo sem lembrar que a Venezuela já se intrometeu no Mercosul...

ÀS FAVAS COM O MERCOSUL

Bem fez o presidente do Uruguai, Tabaré Vazquez, que foi a Washington dizer pessoalmente a Bush que seu país pretende aumentar as relações comerciais com os EUA, atrair investimento americano, externo, venha de onde vier. Afirmou que "o Uruguai é um país de comprovado respeito às regras internacionais..."

E nós? Continuamos provocando e combatendo um inimigo invisível que, sozinho, importou nos três primeiros meses do ano quase tanto quanto toda a Associação Latina de Integração (Aladi). E duas vezes mais se incluirmos a União Européia.

A missão de um presidente é trazer o bem para seu povo, aumentar a riqueza nacional e distribuí-la melhor. E isso só se consegue com alianças produtivas e não com ideologias.

Desculpem o desabafo, mas juro que não dá mais para agüentar a marcha da insensatez que domina Brasília.